.
Vanguarda Operária

outubro de 2006 

Após a bofetada do primeiro turno, o companheiro presidente
capitaliza a confiança de Washington e Wall Street

Lula x Alckmin, candidatos do capital,
juntos contra os trabalhadores

Votar nulo contra os burgueses e a frente popular!
Forjar um partido operário revolucionário!


Trabalhadores de Volkswagen do Brasil em São Bernardo do Campo deflagram greve no 31 de
agosto contra o anúncio pela empresa do fechamento de uma usina e demissões em massa.

(Foto: Andre Penner/AP)

Até mesmo no dia da votação, as pesquisas deram a Luis Inácio Lula da Silva a maioria dos votos no primeiro turno da eleição presidencial. Porém, o cúmulo dos escândalos e a publicação nos jornais matutinos da foto das pilhas de dinheiros do Dossiêgate, causou o efeito planejeado na classe média de São Paulo e do sul do país, onde Lula tinha minoria dos votos. Ainda com 48 por cento dos votos, foi frustrada a vitória triunfal de Lula.

Seu adversário, Geraldo Alckmin, o candidato do Partido Social da Social Democracia Brasileira (PSDB) e da burguesia paulista, queria aproveitar o “voto moralista”, mas não deu certo; pretendendo mostrar força nos debates, seus ataques altaneiros derramaram preconceito em relação às pessoas comuns. Após o susto da vitória-derrota de 1° de outubro, o habitante atual do Palácio do Planalto fustigou a elite aristocrática de SP e mobilizou sua base entre os pobres nordestinos. Não poucos trabalhadores também, desiludidos dos quatro anos da gestão lulista, mas temerosos das conseqüências de uma vitória da direita tradicional, votarão uma vez mais em Lula. E logo o quê ocorrerá? Será a guerra contra a classe operária.

O governo burguês de frente popular liderado por Lula e seu Partido dos Trabalhadores (PT) tem dado grande tranqüilidade aos capitalistas de Wall Street e da Bovespa, notadamente aos banqueiros, os quais auferiram enormes taxas de lucros em sua gestão, chegando a patamares históricos. Segundo a CUT, “tiveram crescimento de 25% do lucro líquido, em relação ao ano passado e os maiores bancos do país elevaram suas receitas em R$ 11,5 bilhões somente nos últimos quatro anos, um crescimento de 132,5%”.

A foto do dinheiro do Dossiêgate impressionou o eleitorado de classe média no primeiro turno. No segundo turno influenciou mais o dinheiro de Wall Street, em apoio a Lula. (Foto: AP)

Tanto que o jornal Valor Econômico (29 de setembro) divulgou o índice de Risco Brasil, às vésperas das atuais eleições o qual está medindo 233 pontos, oito vezes menos que media às vésperas das eleições de 2002. Mesmo assim Lula acha que deveria ter dado mais lucro aos capitalistas e disse: “A única frustração que eu tenho é que os ricos não estejam votando em mim. Sabe? Porque ganharam dinheiro como ninguém no meu governo” (Lula, em entrevista ao Terra Magazine, 18 de setembro).

Lula bateu continência a seus amos capitalistas. Escreveu o Wall Street Journal (29 de setembro): “O Sr da Silva deve legislar uma revisão global das aposentadorias, dos direitos trabalhistas e do orçamento para reduzir um setor público inchado, o que hoje sujeita o Brasil a uma taxa impositiva comparável com um país rico”. Como anunciou em novembro 2002 aos sindicalistas reunidos no Hotel Sheraton de São Paulo logo após sua primeira eleição: “a partir de agora acabou a moleza”. Naquele então, tratou-se de atacar a “reforma” do sistema de previdência dos servidores públicos. Agora serão atacados os direitos de todos os trabalhadores, a gratuidade do ensino universitário público e toda uma série de conquistas operárias.

A Liga Quarta-Internacionalista do Brasil, seção da Liga pela Quarta Internacional (LQB/LQI), chama o voto nulo no segundo turno das eleições presidenciais para expressar uma oposição proletária tanto ao candidato tucano como à frente popular lulista, Força do Povo, coalizão de colaboração de classes conformada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Republicano Brasileiro (PRB) do magnata José de Alencar e sua Igreja Universal do Reino de Deus, e o social-democrata Partido Comunista do Brasil (PC do B). Entre Lula e Alckmin não há mal menor para os trabalhadores, os dois representam os interesses do grande capital e do imperialismo. Um segundo governo Lula, como o primeiro, teria como tarefa impor as medidas antioperárias que os governos anteriores de direita não conseguiram implementar.

A LQB insistiu também nas campanhas de 1994, 1998 e 2002 em não votar por nenhum candidato de nenhuma frente popular, embora a grande maioria da esquerda brasileira votasse por Lula, em alguns casos pretendendo ignorar que era candidato de uma formação política burguesa. Agora, desta vez, o caráter abertamente direitista do governo Lula foi tão notório, que um setor do PT rompeu para formar o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), para retomar a retórica mais à esquerda do velho PT. Mas o PT bis que é o PSOL continuou a prática social-democrata petista, inclusive buscando uma frente popular bis. Além de formar uma Frente de Esquerda com os pseudotrotskistas do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) e o PCB (Partido Comunista Brasileiro), paquerava com o PDT (Partido Democrático Trabalhista), que finalmente lançou seu próprio candidato, o ex-petista Cristóvão Buarque; e quando o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), decidiu não lançar candidato presidencial, Anthony Garotinho, que era candidato por este partido, decidiu apoiar a candidata do PSOL, a senadora alagoana Heloísa Helena.

A campanha de Helena e de seu candidato a vice-presidente, César Benjamin, ex-conselheiro de Garotinho, não foi, em nenhuma medida, uma oposição de classe aos candidatos capitalistas. Nem sequer representou no tabuleiro de xadrez da política burguesa uma alternativa à esquerda da frente popular lulista. HH se opunha ao direito das mulheres ao aborto, denunciou os camponeses sem terra que invadiram o Congresso Nacional por ter montado uma “farsa radicalóide” e até criticou Lula por falta de “firmeza” frente à pretendida nacionalização de instalações da Petrobrás pelo governo boliviano de Evo Morales! Nós, trotskistas, que lutamos pela revolução permanente, pela tomada do poder pelos trabalhadores, a expropriação do capital por um governo operário-camponês e a extensão internacional da revolução socialista, insistimos que nenhum trabalhador com consciência de classe poderia votar no binômio reformista e frentepopulista Helena-Benjamin.

Hoje, após conseguir um 6,8 por cento dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais, a “Frente da Esquerda” já não é mais frente. O PCB agita o perigo de Alckmin, afiliado ao organismo clerical ultra direitista Opus Dei, para justificar o voto “crítico” a Lula, o xerife do imperialismo ianque na América Latina. Setores do PSOL – entre eles Plínio de Arruda Sampaio, Ivan Valente e Chico Alencar e intelectuais como Francisco de Oliveira, anunciam que votarão em Lula. O PSTU, por sua parte, chama a voto nulo, mas com um critério puramente burguês: “Lula na verdade não tem nada a ver com um governo de esquerda. É um governo de direita, fantasiado de esquerda”, exprime o editorial de Opinião Socialista (No. 279, 1° de novembro). E se a política do governo da frente popular lulista fosse um pouco mais à esquerda? Isto é a continuidade da política do PSTU que votou em Lula no segundo turno das eleições de 2002, para acompanhar as ilusões das massas.

Já afirmamos em Vanguarda Operária (No. 9, maio-junho de 2006): “Nesta atual situação de pré-campanha eleitoral, a Liga Quarta-Internacionalista indica que as principais tarefas para os revolucionários proletários continuam sendo a luta contra a frente popular e suas ‘reformas’ antioperárias (trabalhista, sindical e universitária), contra a burocracia pró-capitalista e a favor da construção de um partido operário revolucionário, objetivos que os trabalhadores com consciência de classe devem prosseguir em todas as organizações de massas dos trabalhadores, na CUT, na Força Sindical, na CGT e em sindicatos afiliados à Conlutas.” No dia 29 de outubro, chamamos aos trabalhadores a votarem nulo contra ambos os candidatos capitalistas pela presidência e para preparar uma ofensiva classista para afundar a investida antioperária dos governos sob as ordens de Wall Street e da Bovespa.

Governo Lula: banquete dos banqueiros, migalhas para os pobres

Lula feliz. Os ricos ganharam dinheiro como ninguém no meu governo." (Foto: AFP)

O primeiro turno das eleições ocorreu em meio a inúmeras denúncias de corrupção que envolveram compras de supostos dossiês que incriminam o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, principal adversário de Lula nas eleições de 2002 e potencial adversário do PT nas eleições de 2010. O dossiê que o PT tentou comprar denuncia Serra como sendo um dos que iniciaram a Operação sanguessuga (o escândalo das ambulâncias). É indiscutível que o PSDB iniciou a corrupção do mensalão e das sanguessugas, o PT apenas continuou esta corrupção, principalmente não denunciando as falcatruas de Fernando Henrique Cardoso. É igualmente evidente que essa corrupção em grande escala foi necessária para a sobrevivência do governo Lula, que no começo ficou em minoria no Congresso. Ao final comprou-se um “frentão popular” que se estendia da enfraquecida esquerda petista até restos da ditadura militar (Maluf, Delfim Netto).

Todas estas campanhas midiáticas concertada pela direita visavam enfraquecer o governo e eleitoralmente o PT. Até se envolveram nelas partidos da esquerda como o PSOL, PSTU e outros. Os trotskistas revolucionários, pelo contrário, atacamos o governo Lula por seus verdadeiros crimes contra os trabalhadores e descobrimos os cálculos políticos detrás desta manobra moralizadora. Na realidade, como nós comentamos:

“A corrupção é uma constante na política burguesa. É a graxa que faz funcionar a engrenagem da maquinaria do estado capitalista para que o governo de turno possa servir como conselho executivo da classe dominante, integrando os interesses das diferentes frações da mesma. Ela molesta particularmente à pequena burguesia ‘decente’e reformistas social-democratas porque revela a suja realidade atrás da mitologia da ‘neutralidade’do estado, dando provas concretas de como este estado defende os interesses do capital, não de ‘todos’”.

–“Crise permanente da frente popular: Lula contra os trabalhadores”, Vanguarda Operária No. 9, maio-junho de 2006

Mas as pesquisas que medem as tendências de votos só revelaram o fracasso das táticas denuncistas da oposição liberal de direita e o crescimento da candidatura Lula, que atribuiu ao PT os “erros” para proteger seu governo. Embora membros do núcleo duro do PT ao redor dele no Palácio do Planalto, como José Dirceu, José Genoino, Palloci, Delúbio e Berzoini, tenham caído como num efeito dominó a cada denúncia.   

Como se salvou Lula então em meio da derrubada do PT? Foi em primeiro lugar devido ao apoio das camadas pobres que se beneficiavam de programas como Bolsa Família. Alguns desses programas assistencialistas, como Fome Zero, fracassaram por completo, por falta de verba. Mas a Bolsa Família chegou ao ano passado a 11 milhões de famílias de renda baixíssima (abaixo de R$ 120 por pessoa), com pagamentos de até R$95 por mês. Na realidade, o custo ao erário público é muito pouco, totalizando R$ 10 bilhões, em comparação com os mais de R$ 160 bilhões que Brasil pagará em juros para a dívida pública (ver Valério Arcary, “Argumentos críticos sobre a Bolsa Família”, Correspondencia de Prensa, 21 de outubro). Mesmo com estes programas, no Brasil de Lula existe mais que uma população da Argentina de miseráveis. Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas, “pobreza ainda atinge 42,6 milhões de brasileiros”. E sobre tudo, este tipo de programa é parte integrante do esquema “neoliberal”, que substitui pagamentos aos mais pobres à eliminação dos direitos adquiridos dos trabalhadores, como são as aposentadorias.

Isto é a encomenda mais importante proferida pelas altas finanças e as cúpulas imperialistas a um eventual segundo governo Lula. O Delfim Netto, economista da ditadura militar, hoje convertido em conselheiro de Lula e deputado do PMDB, explicou em entrevista na Folha de S. Paulo (26 de agosto) seu voto pelo ex-sindicalista “para terminar o que começou”. “Há duas reformas que precisam ser feitas e só o Lula pode fazer”, prossegue, a reforma da Previdência e a trabalhista. “Só o Lula pode produzir essas duas reformas, porque o trabalhador acredita nele.” Um dos dirigentes dos empresários pró Lula, Laurence Pih, explicou ao jornalista Josias de Souza da Folha (em seu blog do 12 de julho) que tipo de “reforma” trabalhista querem os patrões: “É importante desonerar a folha. As contribuições sociais chegam a quase 100% dos salários.” Buscam cassar direitos, eliminar “privilégios” na previdência. E não são capitalistas menores os que apóiam Lula: Pih é dono do maior moinho de trigo da América Latina; seu vice José Alencar é um industrial têxtil renomado “rei das camisetas”, e agora recebe o aval de Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, conhecido como o “barão da soja”.

É notável o apoio que o chefe do PT recebe dos capitães da agroindústria, em recompensa pelas subvenções bilionárias do governo a esse setor. Ao contrário, como escrevemos em VO No. 9, “No campo, a fala do PT de reforma agrária tem dado resultado nulo. A estrutura da propriedade rural, uma das mais desiguais do mundo, não mudou um pingo.” Somente cerca de 127.000 famílias camponesas receberam terra do governo Lula até o fim de 2005, e só 27.000 em assentamentos da reforma agrária. Isto fica bem longe dos 400.000 assentados que lhe pediu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no começo do governo do companheiro presidente. Além disso, um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho, Trabalho escravo no Brasil do século XXI, avalia que há atualmente entre 25.000 e 40.000 trabalhadores forçados em situações de escravidão no Brasil, a grande maioria nas zonas rurais. Na última década houve denúncias de 34.000 casos de trabalho escravo e foram libertadas 18.000 pessoas, mas somente no final de outubro se deu a primeira condenação jurídica.

Não surpreende então, que após nove anos da chacina de Eldorado dos Carajás (PA), onde foram massacrados 19 trabalhadores sem terra, nenhum dos soldados e oficias estejam presos. E agora José Rainha, o ativista emblemático do MST é condenado à prisão pela quinta vez. Mesmo assim, João Pedro Stédile, o dirigente do MST, pede votos por Lula. Stédile disse, e são os mesmos argumentos do resto da esquerda petista (Emir Sader, Frei Betto):

“A candidatura Alckmin, que representa os interesses do capital financeiro, das transnacionais, do governo Bush, da burguesia brasileira e dos fazendeiros do agronegócio, está ansiosa para retomar as rédeas do governo.

“Defendem todos os dias nos jornais ser preciso seguir privatizando Petrobras, Correios, estradas e bancos estaduais. Querem as reformas trabalhista, tributária e da Previdência para ampliar seus lucros. Propõem a garantia do pagamento de juros dentro da Constituição pelo mirabolante plano déficit zero. Recolocam a Alca [Área de Livre Comércio das Américas] como uma necessidade – e, assim, subordinariam ainda mais nossa economia e o país aos interesses do império.

“E, se os pobres ousarem lutar, chamarão os ‘capitães-do-mato’ e oferecerão polícia e cadeia. Por isso, os movimentos sociais e todos os seus militantes devemos nos mobilizar, arregaçar as mangas e ir para as ruas para derrotar a candidatura Alckmin e os seus interesses de classe.”

Folha de S. Paulo, 10 de outubro de 2006

Todas as acusações de Stédile contra Alckmin são justas; porém, as mesmas são válidas contra Lula também. O Lula representa, sem dúvida alguma, os interesses do capital financeiro, das transnacionais, do governo Bush, de setores chaves da burguesia brasileira, do agronegócio; ele também está privatizando a Petrobrás, Correios e bancos, gradualmente, mas certamente; ele também está impulsionando as reformas trabalhista, tributária e da previdência; Lula já está pagando, inclusive antecipadamente, os juros com déficit zero (inclusive com superávit primário), sem precisar de uma emenda da Constituição e segue negociando a ALCA com o império. Quanto aos capitães-do-mato, a justiça no regime de Lula não fez nada contra jagunços como o Primeiro Comando Rural, agora que para os militantes do MST só existem a polícia e a cadeia.

Lula x Alckmin – são dois candidatos com um programa, capitalista, contra os trabalhadores. Ao contrário do que disse o líder dos Sem Terra, os militantes classistas devem “arregaçar as mangas” para lutar contra a frente popular e o Partido dos Trabalhadores a serviço dos patrões e a favor de um partido operário revolucionário para encabeçar a revolução (e não somente reforma) agrária por meio de um governo operário e camponês, como ponto de arranque da revolução socialista mundial.

A campanha reacionária de Heloísa Helena


O grande ausente. Os candidatos Geraldo Alckmin (esquerda), Heloísa Helena e Cristóvão
Buarque no debate na televisão na véspera do primeiro turno. Lula não chegou.
(Foto: AP)

Ao nível internacional, Lula tem sido o principal ponto de apoio do imperialismo estadunidense na América Latina. Ele é elogiado por George Bush, o sanguinário carniceiro do Iraque. No Haiti, um corpo expedicionário brasileiro disfarçado como “forças do mantenimento da paz” da ONU atua como tropas mercenárias dos EUA para  manter uma ocupação colonial da primeira república negra do mundo. Em julho do ano passado, militares brasileiros da MINUSTAH realizaram uma investida na favela Cité Soleil, assassinando no mínimo 19 moradores. Recentemente, logo após a intensificação das incursões da MINUSTAH, houve protestos de estudantes na capital haitiana, Port-au-Prince, exigindo a saída da ONU. A LQB tem lutado insistentemente pela expulsão das tropas brasileiras de ocupação do Haiti.

Também defendemos o direito da Bolívia de expropriar as instalações no país vizinho da Petrobras, empresa capitalista multinacional com sede no Brasil e a maioria de suas ações adquiridas por acionistas da Bolsa de Valores de Nova Iorque. O Lula, embora, diante do anúncio pelo ministro boliviano de minas e energia do repasse de duas refinarias empossadas da Petrobras a prestadores de serviços, respondeu assim: “Eu tenho a nítida noção da supremacia brasileira diante da Bolívia.... Quando conversei com o Evo Morales [presidente da Bolívia], eu peguei o mapa da América do Sul e mostrei a situação da Bolívia, onde estava a Venezuela. Eu disse ‘não adianta colocar a espada na minha cabeça, se eu não quiser o gás de vocês, vocês vão sofrer mais que nós’” (Folha de S. Paulo, 18 de setembro). Foi a resposta de um mandatário capitalista de um país que pretende ser superpotência regional. Devido à ameaça de Lula, a medida foi cancelada e o ministro boliviano defenestrado. 

Foi muito instrutiva a resposta dos candidatos da oposição frente à ação boliviana. O direitista Alckmin do PSDB caracteriza a resposta de Lula como submissa, omissa e fraca. O comentário de Heloísa Helena, candidata da Frente de Esquerda, foi do mesmo tom, ao criticar “a incompetência e irresponsabilidade do governo Lula” (Folha on line, 14 de setembro de 2006), dizendo que “faltou firmeza” por não ter insistido com Morales sobre “compensação que seria dada à indústria nacional” (reportada no site da campanha de HH, www.heloisahelena50.com.br, agora desativado).

Assim, a candidata do PSOL, PSTU e PCB criticou Lula desde a direita, por não ter sido suficientemente forte na defesa dos interesses “nacionais” do Brasil e de uma empresa multinacional! Frente a tal espetáculo, o mesmo PCB comentou de Heloísa Helena (numa resolução do dia 6 de outubro sobre o segundo turno das eleições presidenciais): “seu discurso, muitas vezes, não se diferenciou da candidatura da oposição burguesa, sobretudo nas questões internacionais”.

Esta não foi a única “bravata” direitista da candidata da Frente de Esquerda. Em uma entrevista na TV no “Jornal Nacional” da Rede Globo (8 de agosto), falou-se da reforma agrária. À pergunta se ela “vai tomar terras de proprietários rurais que produzem e empregam” como sugere o programa do PSOL, HH respondeu: “Eu não posso meu amor, porque a Constituição proíbe. Programa de partido se trata de objetivos estratégicos do partido. Não tem nada a ver com programa de governo. Seria impossível fazer a expropriação de terra, a não ser que tenha trabalho escravo ou plantação de maconha”.

Além disso, quando centenas de camponeses do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) ingressaram à Câmara dos Deputados num protesto no dia 6 de junho passado, resultando na prisão de 539 trabalhadores, a honorável senadora alagoana sentenciou sua ação como “uma farsa radicalóide” e se erigiu em defensora deste covil de ladrões, o Congresso Nacional: “Então, por que vir para cá? Qual é a justificativa de vir ao Congresso Nacional?” pergunta Helena. “O endereço está errado. Quem desmoraliza o Congresso Nacional é a turma dos dólares nas peças íntimas do vestuário masculino, é a turma da remessa de bilhões de dólares para os paraísos fiscais para pagar contas do Sr. Lula.” Assim isenta o Congresso dos sanguessugas e do mensalão de responsabilidade pela falta da reforma agrária.

Perguntada em sua entrevista no “Jornal Nacional” da Rede Globo, logo após declarar que “seria impossível” expropriar terras produtivas (salvo se produzem maconha!), “que outros itens do seu programa, do partido que a senhora ajudou a fundar, a senhora poderia dizer que não pretende cumprir”, a “socialista cristã” responde: “eu sou uma socialista por convicção, eu digo sempre que aprendi na bíblia antes de ler os clássicos da história socialista a ser uma socialista”, mas “seria desonestidade intelectual da minha parte e desconhecimento de toda a tradição socialista dizer que eu vou implementar o socialismo.... Hoje eu luto pela democracia. A democratização da riqueza, das políticas sociais”.

Como parte de sua luta pela “democracia ampliada” (nem sequer a democracia “participativa” da qual se ufanava o PT, para aprovar orçamentos “populares” de cortes de serviços sociais, como em Porto Alegre), a “socialista ética” HH se opõe ao direito democrático da mulher ao aborto. Em uma entrevista no “Jornal da Globo” da madrugada (1° de setembro), ela apregoa: “Para mim, do ponto de vista científico e do ponto de vista espiritual, sou contra o aborto.” E não só isto, se opõe também as pesquisas médicas que utilizam células retiradas de embriões.

Em favor da “democracia” também a candidata pronunciou-se pela “auditoria cidadã” da dívida externa aos bancos e governos imperialistas e não pela abolição ou rejeito da mesma. Quando esteve a ponto de se deflagrar uma greve dos operários da Volkswagen, a senadora pede a ajuda do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para financiar a empresa multinacional. E opina que a renacionalização das empresas privatizadas por FHC, como a multinacional da mineradora Vale do Rio Doce, como pede o PSOL, é outro caso de um programa de partido que não será implementado.

Ou seja, temos aqui uma candidatura “socialista” contrária à reforma agrária em terras produtivas, ao não pagamento da dívida imperialista, ao aborto, à investigação científica como células tronco, à renacionalização das empresas roubadas, e defensora dos interesses “nacionais” da empresa privada multinacional Petrobras! Embora, além de suas posições políticas que a coloca à direita de vários políticos burgueses, Heloísa Helena sempre buscava aliados nos partidos capitalistas. Primeiro cortejava o PDT (Partido Democrático do Trabalho), herdeiro do velho caudilho populista Leonel Brizola, a ponto de ser convidado à convenção nacional do partido representante da tradição “trabalhista” burguesa (ao qual entrou um dos deputados fundadores do PSOL, João Fontes).

Logo no meio da campanha, HH recebeu o apoio de Anthony Garotinho, ex-governador do Rio de Janeiro (e esposo da atual governadora Rosinha Garotinho), os dois responsáveis pela reiterada repressão das greves dos professores cariocas. Na realidade, a campanha de Heloísa Helena foi uma frentinha popular dos corredores com a oposição de direita a Lula, como já se estabeleceu durante o escândalo do mensalão. Nenhum trabalhador consciente de classe, e muito menos um revolucionário pode dar apoio político a tal abominação, meu amor.

Os satélites “de esquerda” do PSOL, rebotalho do PT


Por iniciativa do Comitê de Luta Classista, impulsionado pela LQB, o sindicato dos professores
de Volta Redonda, Rio de Janeiro, chamaram a classe operária a fazer greve em apoio aos
professores mexicanos de Oaxaca, sob fogo cerrado de governo capitalist.
(Foto: CLC)

Quanto a seus aliados do PSTU, os morenistas tiveram a tarefa triste de tentar justificar “sua” candidata. Embora estejam bem adestrados na apologia do frentepopulismo: fazem hoje para Heloísa, o que durante anos faziam para Lula, tentando limpar a barra de seu chefe de legenda e dar-lhe uma imagem de “esquerda” não merecida. O soldo deste oportunismo é o de engolir uma traição após outra. E para quê? Seu galanteio dos ex-petistas que agora são do PSOL, data da época quando todos formavam parte das correntes “de esquerda” dentro do PT. Porém, em cada momento os morenistas foram frustrados em suas tentativas de formar um partido mais “amplo”.

No momento da expulsão de HH e seus companheiros parlamentares do PT (Babá, Luciana Genro, Fontes), o PSTU propunha formar um “novo partido”. Quando aquele projeto falhou, o PSTU sugeriu uma legenda comum, com José Maria Almeida como vice de Heloísa.O PSOL seria o partido parlamentar (para não dizer, parlamentarista), o PSTU se encarregaria da mobilização na rua. Outra negativa da PSOL. É uma história de eterno amor recusado, que se segue repetindo porque corresponde à política seguidista dos morenistas de sempre ser a ala “de esquerda” de uma força pequeno-burguesa ou até burguesa, seja o peronismo na Argentina, o sandinismo na Nicarágua ou a “família” petista no Brasil. Como escrevemos no momento da formação do PSOL:

“O novo partido é, sem nenhuma dúvida, outro partido social-democrata, ligeiramente à esquerda do PT, que se rege pelas regras do jogo parlamentar da burguesia. É precisamente desta categoria de ‘partido do velho tipo’, eleitoreiro até a medula, que não necessita a classe operária brasileira. Adestrado na luta, por influência por trás dos bastidores, será um satélite de Lula, tomando iniciativas para pressioná-lo (e talvez recrutar alguns dos esquerdistas que permanecem nas filas, nas poltronas ministeriais do PT) em lugar de preparar o proletariado para sair vitorioso de um enfrentamento frontal com o governo burguês”.

–“Não precisamos de um ‘novo partido’ social-democrata dos lulistas desiludidos!” (junho de 2004, reproduzido sob o título “Abaixo o frentão popular de Lula”, em Vanguarda Operária No. 8, janeiro-fevereiro de 2005.)  

Se o PSTU reformista atua como satélite girando ao redor do PSOL – a política de girassol, diríamos nós – outros grupos menores de tipo centrista estão na órbita do PSTU. A Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional (LER-QI) – afiliada à Fração Trotskista, corrente neomorenista dirigida pelo PTS (Partido de Trabajadores por el Socialismo) argentino – tem como norte de sua política o esforço de instar o PSTU a lutar. Assim apoiaram incondicionalmente a corrente sindical impulsionada pelo PSTU, a Conlutas, chamando a formar um mítico “polo antiburocrático” nela. Na atual campanha eleitoral, primeiro pediu ao PSTU formar uma “ala classista na Frente de Esquerda”, que consistiria em que “O PSTU precisa criticar não só César Benjamim, mas principalmente Heloísa Helena.... inclusive matérias pagas nos jornais de grande circulação”. Fracassada esta táctica, a LER-QI decidiu chamar “vote criticamente nos candidatos operários da Frente de Esquerda” – que seriam principalmente os do PSTU e do “setor operário do PSOL”, consistindo este em ex-membros da LER-QI que migraram para o partido de HH para melhor praticar sua política seguidista. Para presidente chamaram a votar no candidato do Partido Causa Operária (PCO), com o qual não tem nenhuma coincidência política (devido ao rechaço do PCO a Conlutas). Agora chamam tristemente pelo voto nulo no segundo turno.

Outro grupo centrista no pântano oportunista é a Liga Bolchevique Internacionalista (LBI), cuja especialidade é uma política de constantes manobras “unitárias” com as mais diversas (e contraditórias) correntes políticas. A LBI também é uma fã incondicional da Conlutas, atuando como conselheira do PSTU, pedindo que rompa com a frente popular, adota uma política mais combativa, etc, etc. Neste período eleitoral, a LBI começou com uma “Carta Aberta ao PSTU” onde fazia um chamado para que este postulasse Zé Maria como uma “anti-candidatura” revolucionária, inclusive “reorientando-se programaticamente”. Quando recebeu dos morenistas uma quitação de não recepção, mudaram de táctica e lançaram um apelo por um bloco podre de todas as correntes que apoiavam o voto nulo nas eleições (o que poderia estender-se dos anarquistas até formações burguesas), com ênfase na crítica à candidatura de Heloísa Helena.

Logo depois de 2 de outubro, lança um novo apelo para uma “Conferência Nacional de Emergência” de todos os que chamam pelo voto nulo no segundo turno, propondo novamente ao PSTU e outros que apoiaram à “socialista católica” HH no primeiro turno a “adotarem um programa revolucionário de ação direta”! Nas eleições de 2002, a LBI chamou ao “ativismo classista” (categoria que abarcava até quem votou por Lula) antes mesmo do primeiro turno da votação a “deflagrar uma ampla mobilização nacional...contra a fraude” para impor a presidência de Lula. E em julho passado, chamou uma “greve nacional para derrotar a fraude eleitoral”, ou seja, para impor a presidência do político burguês mexicano López Obrador!!

Além de suas manobras oportunistas com forças burguesas “contra a fraude” (e no Brasil no ano passado contra o “governo-mensalão”) e sua reiterada rogatória ao PSTU de adotar uma política “revolucionária”, o frentismo constante da LBI é fundamentalmente contrário ao trotskismo autêntico. Trotsky mesmo comentou, com respeito à luta contra o avanço do nazi-fascismo na Alemanha nos anos 30, que a frente única na ação é contrária aos blocos de propaganda. Referindo-se a um arranjo entre vários dirigentes centristas na época, o dirigente bolchevique escreveu:

“Dirão-nos que o bloco entre Rosenfeld-Brandler-Urbahns é somente um bloco de propaganda pela frente única. Porém, é precisamente na esfera da propaganda onde um bloco é inadmissível. A propaganda deve apoiar-se nos princípios claros e um programa definido. Marchar separado, golpear juntos. Um bloco é somente para as ações práticas de massas. Os arranjos negociados desde cima que faltam uma base nos princípios só levariam à confusão.

“A idéia de nomear um candidato a presidente na base de frente única operária é falsa nas raízes. O candidato só poderia ser lançado na base de um programa definido.”

–Leon Trotsky, E agora? Questões vitais para proletariado alemão (janeiro de 1932)

Concluímos nossa excursão na esquerda reformista e centrista ao dar uma olhada no Partido Causa Operária. O PCO lançou para presidente seu dirigente Rui Costa Pimenta, como também fez em 2002. Durante muitos anos este partido defendeu Lula, separando-o metafisicamente e de forma menchevique da frente popular. Tecendo loas ao “candidato operário” desta frente com forças burguesas, contradizia a compreensão trotskista da frente popular, coalizão de colaboração de classes, como uma formação política burguesa. Só recentemente o PCO resolveu desgarrar-se de Lula, mas continua procurando um retorno ao velho PT, com seus chamados por um “partido operário de massas”. Também é significativa sua fórmula de “lutar por um governo de trabalhadores”, no lugar da palavra de ordem trotskista de governo operário-camponês. Este significa, diziam os bolcheviques, nada menos que a ditadura proletária, agora que as tarefas que o PCO atribui a seu “governo de trabalhadores” são medidas típicas de um governo social-democrata do estado capitalista: fim das privatizações, estatização da saúde e da educação, “um verdadeiro plano nacional contra a fome”, etc.

O governo de Lula tentou impugnar a candidatura de Costa Pimenta alegando uma infração dos regulamentos do Tribunal Superior Eleitoral, que a meados de agosto votou o indeferimento da candidatura. Os revolucionários defendemos o direito de todo partido, e particularmente aqueles que se reclamam do movimento operário, de apresentar seus candidatos nas eleições burguesas supostamente “democráticas”, ao mesmo tempo em que criticamos a política social-democrata e não revolucionária da campanha do PCO. Além de apoiar durante anos às diferentes frentes populares constituídas pelo PT de Lula, Causa Operária tem adotado a política de por sua legenda a disposição de vários elementos carreiristas oriundos do PPS, PDT e outras legendas burguesas.

A realidade fundamental de todos estes grupos geralmente considerados da “extrema esquerda” é que tem sua origem no Partido dos Trabalhadores lulista, e anseiam os bons velhos tempos quando se lhes permitiam fazer seus arranjos e suas manobras nos corredores, dando-lhes a ilusão de influência e poder. Embora, seu marco de referência é um partido parlamentarista até a medula, social-democrata, que busca se afiançar no regime político burguês. Todos (PSOL, PSTU, PCO e seus irmãos menores LBI, LER-QI, etc.) fazem em pequena escala o que a equipe de Lula fazia na cúpula do PT anos atrás. Agora querem recriar o PT antes deles fossem expulsos em série (PCO em 1989, PSTU no início dos anos 90, PSOL em 2004). Porém, se alcançassem suas fantasias, somente assentariam as bases para uma repetição desta história de degeneração.

O que o proletariado brasileiro precisa neste momento, quando enfrenta uma ofensiva capitalista em toda a linha contra suas conquistas e sua existência mesma , não é uma nova edição do PT. Já fizeram essa experiência. É urgente forjar um partido operário baseado no programa trotskista da revolução permanente, que luta pela revolução agrária, pela libertação de todos os oprimidos – mulheres, negros, indígenas, homosexuais – mediante a revolução socialista internacional. Por isto luta a Liga Quarta-Internacionalista do Brasil.  n


E-mail: internationalistgroup@msn.com

Voltar à página principal da LIGA QUARTA-INTERNACIONALISTA DO BRASIL
Voltar à página do INTERNATIONALIST GROUP