Os
noventa anos do
Manifesto
do Partido Comunista
Prefácio
de Trotsky ao Manifesto do Partido Comunista
O presente texto, também conhecido como "A atualidade do Manifesto
do Partido Comunista", foi escrito por Leon Trotsky como prefácio
à primeira edição do clássico de Marx e Engels
publicada na África do Sul.
Custa acreditar que apenas dez anos nos separam do centenário
do Manifesto do Partido Comunista! Este manifesto, o mais genial entre
todos os da literatura mundial, surpreende-nos ainda hoje pela sua atualidade.
Suas partes mais importantes parecem ter sido escritas ontem. Sem dúvida
alguma, os jovens autores (Marx tinha 29 anos e Engels 27) souberam antever
o futuro como ninguém antes e como poucos depois deles.
No prefácio à edição de 1872, Marx e Engels
afirmaram que, mesmo tendo certos trechos secundários do Manifesto
envelhecido, não tinham o direito de modificar o texto original,
visto que, no decorrer dos vinte e cinco anos então passados ele
já se transformara em um documento histórico. De lá
para cá mais sessenta e cinco anos transcorreram. Algumas partes
isoladas envelheceram ainda mais. Consequentemente, neste prefácio
apresentaremos, de forma resumida, as idéias do Manifesto que até
nossos dias conservam integralmente sua força e aquelas que necessitam
de sérias modificações ou complementos.
1. A concepção
materialista da história, formulada por Marx pouco tempo antes da
aparição do texto e que nele se encontra aplicada com perfeita
maestria, resistiu completamente à prova dos acontecimentos e aos
golpes da crítica hostil. Constitui-se, atualmente, em um dos mais
preciosos instrumentos do pensamento humano. Todas as outras interpretações
do processo histórico perderam todo significado científico.
Podemos afirmar, com segurança, que actualmente é impossível
não apenas ser um militante revolucionário, mas simplesmente
um observador politicamente instruído, sem assimilar a concepção
materialista da história.
2. "A história de todas
as sociedades até os nossos dias não foi senão a história
das lutas de classes." O primeiro capítulo do Manifesto começa
por esta frase.
Esta tese, que constitui a mais importante conclusão da concepção
materialista da história, em pouco tempo transformou-se em elemento
da luta de classes. A teoria que trocava o "bem-estar comum", a "unidade
nacional" e as "verdades eternas da moral" pela luta entre interesses materiais,
considerados como a força motriz da história, sofreu ataques
particularmente ferozes da parte de reacionários hipócritas,
doutrinários liberais e democratas idealistas. A eles acrescentaram-se
mais tarde, desta vez a partir do próprio movimento operário,
os ataques dos chamados revisionistas, isto é, dos partidários
da revisão do marxismo em favor da colaboração e conciliação
de classes. Finalmente, em nossa época, os desprezíveis epígonos
da Internacional Comunista (os stalinistas) tomaram o mesmo caminho: a
política daquilo a que se dá o nome "frentes populares" decorre,
inteiramente, da negação das leis da luta de classes. Entretanto,
vivemos na época do imperialismo que, levando todas as contradições
sociais ao seu extremo, demonstra o triunfo teórico do Manifesto
do Partido Comunista.
3. A anatomia do capitalismo,
visto este como um estágio determinado da evolução
econômica da sociedade, foi destrinchada por Marx de forma cabal
em O capital (1867). Mas, já no Manifesto as linhas fundamentais
da análise futura foram traçadas com clareza: a) a retribuição
à força de trabalho do equivalente de sua reprodução;
b) a apropriação da mais-valia pelos capitalistas; c) a concorrência
como lei fundamental das relações sociais; d) a ruína
das classes médias, isto é, da pequena burguesia das cidades
e do campesinato; e) a concentração da riqueza nas mãos
de um número cada vez mais reduzido de possuidores, em um dos pólos
sociais, e o crescimento numérico do proletariado em outro; f) a
preparação das condições materiais e políticas
prévias ao regime socialista.
4. A tendência do capitalismo
em rebaixar o nível de vida dos operários, a torná-los
cada vez mais pobres. Esta tese foi violentamente atacada. Os padres, os
professores, os ministros, os jornalistas, os teóricos social-democratas
e os dirigentes sindicais levantaram-se contra a assim chamada teoria do
"empobrecimento". Invariavelmente enumeravam sinais do bem-estar crescente
dos trabalhadores, tomando a aristocracia operária por todo o proletariado,
ou tomando uma tendência temporária por uma situação
perdurável. Paralelamente, a própria evolução
do mais poderoso capitalismo, o dos Estados Unidos, transformou milhões
de operários em párias, sustentados às custas da caridade
estatal ou privada.
5. Em oposição
ao Manifesto, que descrevia as crises comercial-industriais como uma série
de crescentes catástrofes, os revisionistas afirmavam que o desenvolvimento
nacional e internacional dos monopólios garantiria o controle do
mercado e a abolição gradual das crises. Não há
dúvida de que a passagem do século passado ao atual caracterizou-se
por um desenvolvimento tão impetuoso do sistema que as crises pareciam
interrupções "acidentais". Mas esta época está
irremediavelmente ultrapassada. Em última análise, também
com respeito a esta questão, a verdade está do lado de Marx.
6. "O governo moderno nada mais
é do que um comitê para administrar os negócios comuns
de toda a classe burguesa." Nesta fórmula sucinta, que os dirigentes
social-democratas desprezavam como um paradoxo jornalístico, encontra-se,
na verdade, a única teoria científica sobre o Estado. A democracia
idealizada pela burguesia não é, como pensavam Bernstein
e Kautsky, uma casca vazia que se pode, tranqüilamente, encher com
o conteúdo de classe desejável. A democracia burguesa só
pode servir à burguesia. O governo de "Frente Popular" dirigido
por Blum ou Chautemps, Caballero ou Negrín é tão somente
"um comitê para administrar os negócios comuns de toda a classe
burguesa". Quando este comitê se sai mal em seus negócios,
a burguesia expulsa-o do poder a pontapés.
7. "Toda luta de classe é
uma luta política.... A organização dos proletários
em classe é, conseqüentemente, a sua organização
em partido político...." Os sindicalistas por um lado e os anarco-sindicalistas,
por outro, durante muito tempo, e ainda hoje, vêm procurando fugir
à compreensão dessas leis históricas. O sindicalismo
"puro" recebeu, atualmente, um golpe fulminante em seu principal refúgio:
os Estados Unidos. O anarco-sindicalismo sofreu uma derrota esmagadora
em sua última cidadela, a Espanha. Como nas outras questões
também, aqui o Manifesto demonstrou estar certo.
8. O proletariado não
pode conquistar o poder por meio das leis promulgadas pela burguesia. "Os
comunistas...proclamam abertamente que seus fins só podem ser atingidos
pela derrubada violenta da ordem social existente." O reformismo tentou
explicar esta tese do Manifesto pela imaturidade do movimento operário
da época e pelo insuficiente desenvolvimento da democracia. A sorte
das "democracias" italiana e alemã, e de muitas outras, demonstrou
que se alguma coisa não estava madura eram as próprias idéias
reformistas.
9. Para a transformação
socialista da sociedade é necessário que a classe operária
concentre em suas mãos o poder capaz de varrer todos os obstáculos
políticos que se anteponham em sua trajetória até
a nova ordem. "O proletariado organizado em classe dominante", eis o que
é sua ditadura. Ao mesmo tempo, trata-se da única e verdadeira
democracia proletária. Sua amplitude e profundidade dependem das
condições históricas concretas. Quanto maior for o
número de Estados que se lançarem no caminho da revolução
socialista, mais livres e flexíveis serão as formas da ditadura,
mais ampla e profunda será a democracia operária.
10. O desenvolvimento internacional
do capitalismo determina o caráter internacional da revolução
proletária. Uma das primeiras condições para a emancipação
da classe operária consiste em sua ação comum, pelo
menos nos países civilizados. O desenvolvimento posterior do capitalismo
uniu de forma tão estreita as diversas partes de nosso planeta,
as "civilizadas" e "não civilizadas", que o problema da revolução
socialista adquiriu, completa e definitivamente, um caráter mundial.
A burocracia soviética tentou liquidar o Manifesto nessa questão
fundamental, mas a degeneração bonapartista do Estado soviético
é a mortal ilustração do engodo que significa a teoria
do "socialismo em um só país".
11. "A partir do momento em que,
no curso do desenvolvimento, as diferenças de classe tenham desaparecido
e que toda a produção esteja concentrada nas mãos
de indivíduos associados, o poder público perde seu caráter
político." Em outras palavras, o Estado extingue-se. Resta a sociedade
liberta de sua camisa-de-força. E é exatamente isso o socialismo.
O teorema inverso: o monstruoso crescimento da imposição
e violência estatais na URSS demonstra que a sociedade soviética
se afasta do socialismo.
12. "Os operários não
têm pátria." Esta frase do Manifesto foi freqüentemente
considerada pelos filisteus como um simples trocadilho de agitação.
Na verdade, ela oferece ao proletariado a única diretriz justa a
respeito da "pátria" capitalista. A supressão deste princípio
pela II Internacional conduziu não apenas à destruição
da Europa durante quatro anos mas também à atual estagnação
da cultura mundial. Diante da nova guerra que se aproxima, cujo caminho
foi aberto pela III Internacional, o Manifesto permanece, ainda hoje, o
mais seguro conselheiro sobre a questão da "pátria" capitalista.
* * *
Vemos, portanto, que esta pequena obra dos dois jovens autores continua
a fornecer indicações indispensáveis a respeito das
questões mais fundamentais e candentes da luta pela emancipação.
Que outro livro poderia, mesmo que de longe, estar à altura do Manifesto
do Partido Comunista? Entretanto, isto não significa, absolutamente,
que, após noventa anos de desenvolvimento sem parar das forças
produtivas e de grandiosas lutas sociais, o Manifesto não tenha
necessidade de retificações e complementos. O pensamento
revolucionário nada tem em comum com a idolatria. Os programas e
os prognósticos verificam-se e corrigem-se à luz da experiência,
que é para o pensamento humano a suprema instância. O Manifesto
requer correções e complementos. Entretanto, mesmo correções
e complementos não podem ser aplicados com sucesso senão
nos servimos do mesmo método que se encontra à base do Manifesto,
como, além disso, o prova a própria experiência histórica.
Mostraremos isso servindo-nos dos exemplos mais importantes.
1. Marx ensina que nenhuma ordem
social deixa a cena antes de ter esgotado suas possibilidades criadoras.
O Manifesto ataca o capitalismo porque ele bloqueia o desenvolvimento das
forças produtivas. Contudo, na sua época e mesmo durante
várias décadas seguintes, este entrave possuía apenas
um caráter relativo. Se, na segunda metade do Século XIX,
tivesse sido possível à economia se organizar sobre fundamentos
socialistas, o ritmo de seu crescimento teria sido incomparavelmente mais
rápido. Esta tese, teoricamente incontestável, não
modifica o fato de que as forças produtivas continuaram a crescer
em escala mundial, e sem interrupção, até a Primeira
Guerra Mundial. Foi unicamente nos últimos vinte anos que, malgrado
as mais modernas conquistas científicas e técnicas, se abriu
a época da estagnação completa e da própria
decadência da economia mundial. A humanidade começa a viver
do capital acumulado e a próxima guerra ameaça destruir por
longo tempo as próprias bases da civilização. Os autores
do Manifesto pensavam que o capital seria liquidado muito antes de passar
de ser um regime relativamente reacionário para a sua fase absolutamente
reacionária. Esta transformação, porém, só
se consumou aos olhos da atual geração, fazendo de nossa
época a época de guerras, revoluções e do fascismo.
2. O erro de Marx e Engels a respeito
dos prazos históricos decorria, de um lado, da subestimação
das possibilidades posteriores inerentes ao capitalismo e, de outro, da
superestimação da maturidade revolucionária do proletariado.
A revolução de 1848 não se transformou em revolução
socialista, como o Manifesto havia previsto, mas criou, para a Alemanha,
a possibilidade de um formidável desenvolvimento capitalista. A
Comuna de Paris demonstrou que o proletariado não pode arrancar
o poder à burguesia sem ter à sua frente um partido revolucionário
experiente. Ora, o longo período de desenvolvimento capitalista
que se seguiu à Comuna conduziu não à educação
de uma vanguarda revolucionária, mas, ao contrário, à
degeneração burguesa da burocracia operária que se
tornou, por sua vez, o principal obstáculo à vitória
da revolução proletária. Esta "dialética" os
autores do Manifesto não podiam prever.
3. Para o Manifesto, o capitalismo
é o reino da livre concorrência. Referindo-se à crescente
concentração do capital, o texto não tira deste fato
a necessária conclusão a respeito dos monopólios,
que se transformaram na força dominante do capitalismo em nossa
época, premissa mais importante da economia socialista. Foi apenas
mais tarde, em O capital, que Marx constatou a tendência para
a transformação da livre concorrência em monopólio.
A caracterização científica do capitalismo monopolista
foi dada por Lênin em seu livro Imperialismo, estágio supremo
do capitalismo.
4. Tomando como base sobretudo
o exemplo da "Revolução Industrial" inglesa, os autores viam
de maneira muito unilateral o processo de liquidação das
classes médias com a proletarização completa do artesanato,
do pequeno comércio e do campesinato. Na verdade, as forças
elementares da concorrência ainda não finalizaram esta obra,
ao mesmo tempo progressista e bárbara. O capital arruinou a pequena
burguesia bem mais rapidamente do que a proletarizou. Por outro lado, a
política consciente do Estado burguês, desde muito tempo,
visa conservar artificialmente as camadas pequeno-burguesas. O crescimento
da técnica e a racionalização da grande produção,
ao mesmo tempo em que engendram um desemprego orgânico, freiam a
proletarização da pequena burguesia. Houve um extraordinário
aumento do exército de técnicos, administradores, empregados
de comércio, em uma palavra, daquilo que é chamado de "novas
classes médias". O resultado de tudo isso é que as classes
médias cujo desaparecimento o Manifesto previa de modo tão
categórico, constituem, mesmo em um país altamente industrializado
como a Alemanha, quase a metade da população. Mas a conservação
artificial das camadas pequeno-burguesas, desde há muito caducas,
em nada atenua as contradições sociais; tornam-se, pelo contrário,
particularmente mórbidas. Somando-se ao exército permanente
de desempregados, ela é a expressão mais nociva do apodrecimento
capitalista.
5. O Manifesto, escrito para
uma época revolucionária, contém, no final do segundo
capítulo, dez reivindicações que respondem ao período
da imediata transição do capitalismo ao socialismo. No prefácio
de 1872, Marx e Engels mostraram que essas reivindicações
se encontravam parcialmente superadas e que, de qualquer modo, não
tinham mais que um significado secundário. Os reformistas se apoderaram
desta avaliação para interpretá-la no sentido que,
para eles, as palavras-de-ordem revolucionárias transitórias
davam definitivamente lugar ao "programa mínimo" da social-democracia
que, como sabemos, não ultrapassava os limites da democracia burguesa.
Na verdade, os autores do Manifesto indicaram de modo preciso a principal
correção a ser feita em seu programa transitório:
"Não basta que a classe operária se utilize da máquina
estatal para colocá-la a serviço de seus próprios
fins." A correção era contra o fetichismo a respeito da democracia
burguesa. Ao Estado burguês, Marx opôs, mais tarde, o Estado
do tipo da Comuna. Este "tipo" tomou, em seguida, a forma muito mais precisa
de soviets. Em nossos dias não pode haver programa revolucionário
sem soviets e sem controle operário. Quanto ao mais, isto é,
às dez reivindicações do Manifesto que na época
da pacífica atividade parlamentar, pareceram "caducar", é
preciso que se diga que recobraram, hoje, todo seu verdadeiro significado.
Por outro lado, o que caducou inapelavelmente foi o "programa mínimo"
social-democrata.
6. Para justificar a esperança
de que "a revolução burguesa alemã...será o
prelúdio da revolução proletária", o Manifesto
baseia-se no fato de que as condições gerais da civilização
européia de então, assim como do proletariado, eram bem mais
desenvolvidas do que na Inglaterra do Século XVII ou na França
do Século XVIII. O erro deste prognóstico não está
apenas na questão do prazo, Alguns meses mais tarde, a Revolução
de 1848 mostrou, precisamente, que, em presença de condições
mais avançadas, nenhuma das classes burguesas é capaz de
levar a revolução até o fim: a grande e a média
burguesia estão muito ligadas aos proprietários fundiários
e muito unidas pelo medo das massas; a pequena burguesia muito dispersa
e seus dirigentes muito dependentes da grande burguesia. Como demonstrou
a posterior evolução dos acontecimentos na Europa e na Ásia,
a revolução burguesa, em si mesma, não mais pode realizar-se.
A purificação da sociedade dos males feudais só é
possível se o proletariado, liberto das influências dos partidos
burgueses, for capaz de se colocar à frente do campesinato e estabelecer
sua ditadura revolucionária. Em função disso, a revolução
burguesa mescla-se com a primeira fase da revolução socialista
para, nesta, dissolver-se em seguida. A revolução nacional
torna-se, assim, apenas um elo da revolução proletária
internacional. A transformação dos fundamentos econômicos
e de todas as relações sociais adquirem um caráter
permanente.
Para os partidos revolucionários dos países atrasados
da Ásia, América Latina e África, a compreensão
clara da relação orgânica entre a revolução
democrática e a revolução socialista internacional
é uma questão de vida ou morte.
7. Mostrando como o capitalismo
arrebanha em seu turbilhão os países atrasados e bárbaros,
o Manifesto nada diz a respeito da luta dos povos coloniais e semi-coloniais
pela sua independência. À medida que Marx e Engels pensavam
que a vitória da revolução socialista, "nos países
civilizados pelo menos", era uma questão a ser resolvida nos anos
seguintes, o problema das colônias resolver-se-ia igualmente não
como o resultado de um movimento autônomo dos povos oprimidos, mas,
simplesmente, como a conseqüência da vitória do proletariado
nas metrópoles capitalistas. Esta é a razão pela qual
as questões da estratégia revolucionária nos países
coloniais e semi-coloniais nem mesmo estão esboçadas no Manifesto.
Mas elas exigem soluções particulares. Dessa forma, é
evidente que se a "pátria nacional" se tornou o pior obstáculo
à revolução proletária nos países capitalistas
avançados, mantém-se ainda como um fator relativamente progressista
nos países atrasados que são obrigados a lutar por sua existência
nacional independente. "Os comunistas", declara o Manifesto, "apoiam, em
todos os países, qualquer movimento revolucionário contra
a ordem social e política existente." O movimento das raças
de cor contra os opressores imperialistas é um dos mais poderosos
e importantes movimentos contra a ordem social existente e é esta
a razão pela qual necessita do total apoio, indiscutível
e sem reticências, do proletariado de raça branca. O mérito
de haver desenvolvido a estratégia revolucionária dos povos
oprimidos é, sobretudo, de Lênin.
8. O trecho que mais envelheceu
no Manifesto – não quanto a seu método, mas quanto a seus
objetivos – é a crítica da literatura "socialista" da primeira
metade do Século XIX (Capítulo 3) e a definição
da posição dos comunistas em relação aos diversos
partidos de oposição (Capítulo 4). As tendências
e os partidos enumerados pelo texto foram varridos tão radicalmente
pela revolução de 1848, ou pela contra-revolução
que se seguiu, que a história já não os menciona sequer.
Entretanto, mesmo com respeito a este trecho, o Manifesto encontra-se mais
próximo de nós do que o estava em relação à
geração anterior. Na época de prosperidade da II Internacional,
quando o marxismo parecia reinar absolutamente no movimento operário,
as idéias do socialismo anteriores a Marx podiam ser consideradas
como definitivamente ultrapassadas. Hoje isso já não é
mais verdade. A decadência da social-democracia e da Internacional
Comunista provoca, a cada passo, monstruosas reavivamentos ideológicos.
O pensamento senil recai, por assim dizer, na infância. À
procura de fórmulas salvadoras, os profetas da época de declínio
geral do capitalismo redescobrem doutrinas há muito enterradas pelo
socialismo científico.
No que diz respeito ao problema dos partidos de oposição,
as décadas que nos separam do Manifesto provocaram as mais profundas
mudanças: não apenas os velhos partidos foram há muito
substituídos por novos, como também o próprio caráter
dos partidos e de suas mútuas relações modificou-se
radicalmente. Sob as condições da época imperialista
o Manifesto, portanto, deve ser complementado pelos documentos dos quatro
primeiros congressos da Internacional Comunista, pela literatura fundamental
do bolchevismo e pelas decisões das conferências do Movimento
pela IV Internacional.
Lembramos acima que, segundo Marx, nenhuma ordem social deixa a cena
da história antes de haver esgotado todas suas possibilidades. Entretanto,
uma ordem social, mesmo já tendo caducado, não cede seu lugar
sem opor resistência a uma nova ordem. A sucessão dos regimes
sociais supõe a mais áspera luta de classes, isto é
a revolução. Se o proletariado, por uma razão ou outra,
se mostra incapaz de derrubar a ordem burguesa que sobrevive, não
resta ao capital financeiro, em luta para manter seu domínio abalado,
senão transformar a pequena burguesia, por ele levada ao desespero
e à desmoralização, no exército de terror do
fascismo. A degeneração burguesa da social-democracia e a
degeneração fascista da pequena burguesia estão entrelaçadas
como causa e efeito.
Em nossos dias, a III Internacional leva a cabo em todos os países,
com uma obscenidade ainda maior que a da II Internacional, a obra de engodo
e desmoralização dos trabalhadores. Massacrando a vanguarda
do proletariado espanhol, os mercenários sem escrúpulos de
Moscou não apenas abrem caminho para o fascismo, como também
realizam uma boa parte de seu trabalho. A longa crise da revolução
internacional, que cada vez mais se transforma em crise da cultura humana,
reduz-se, no fundo, à crise da direção revolucionária
do proletariado.
Como herdeira da grande tradição para a qual o Manifesto
do Partido Comunista é o mais precioso elo, a IV Internacional educa
novos quadros para resolver antigas tarefas. A teoria nada mais é
do que a realidade generalizada. Em uma atitude honesta com respeito à
teoria revolucionária se expressa a apaixonada vontade de reconstruir
a realidade social. O fato de que ao sul do continente negro nossos camaradas
de idéias traduziram pela primeira vez o Manifesto é uma
evidente confirmação de que, em nossos dias, o pensamento
marxista só está vivo sob a bandeira da IV Internacional.
O futuro pertence-lhe. Quando se comemorar o centenário do Manifesto
do Partido Comunista, a IV Internacional será a força revolucionária
determinante em nosso planeta.
Leon Trotsky, Coyoacán, 30 de outubro de 1937
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