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abril de 2016

O papel do imperialismo e dos militares na crise política brasileira


  Os governos da frente popular liderada pelo PT servem de xerife dos EUA no Caribe, ao fornecer tropa de repressão mercenária para manter a ocupação imperialista do Haiti. Foto de cima: tropa do MINUSTAH, comandado por Brasil fazem patrulagem em Porto Principe, julho de 2013. Fotos de baixo: Lula e Dilma passam revista ao contingente brasileiro no Haiti.  (Fotos: Victoria Hazou/MINUSTAH; Epoca/Globo; Roberto Stuckert Filho)

Também devemos ter em conta a posição do imperialismo, sobretudo o norte-americano, a respeito da crise política no Brasil. Há uma velha piada na América Latina: Pergunta: por que os Estados Unidos é o único país do continente onde nunca houve golpe de estado? Resposta: porque é o único país que não tem uma embaixada norte-americana. Porém, Brasil não é qualquer república das bananas, tem uma burguesia relativamente forte com seus próprios interesses.

A esquerda petista e filo-petista se comporta como se o governo brasileiro fosse um estorvo pelo governo dos EUA, o que é um absurdo. Mesmo que os serviços norte-americanos colocam escutas nos telefones da presidente (como também tem feito, e seguramente seguem fazendo, com aliados imperialistas, como a chanceler Merkel de Alemanha) os governos liderados pelo PT têm servido como bombeiros do FMI na América Latina e xerife do imperialismo ianque no Caribe, fornecendo tropa mercenária para a  ocupação do Haiti. A frente popular brasileira tem jogado um papel chave pressionando sobre a Venezuela, e além disso agora a Odebrecht está ajudando a abrir a Cuba para os investimentos capitalistas massivos, construindo um porto.

Mudança de critério dos imperialistas a respeito do governo da Dilma.

Em geral, Washington não quer grandes turbulências no maior país da América Latina. Mesmo assim, não há porque presumir que os que se imaginam senhores do planeta sempre agem em coerência, e já existem indícios de mudanças de opinião entre os porta-vozes imperialistas. Há três meses, tanto a revista Economist de Londres como o diário New York Times se posicionaram contra o impeachment de Dilma. Agora, a Economist (26 de março) publicou um artigo sobre a crise política brasileira com o título “É hora de ir-se embora”, preferindo ao impeachment que “a manchada presidenta brasileira deveria renunciar”.

Ao mesmo tempo, setores da classe dominante norte-americana estão trabalhando em conluio com Sérgio Moro. Já se sabe que o juiz cursou o programa para instrução de advogados estrangeiros na Universidade Harvard (um dos principais centros da “diplomacia”/espionagem imperialista norte-americana) e um programa especializado sobre lavagem de dinheiro do Departamento de Estado (Istoé, 19 de dezembro de 2014). Porém, a conexão é muito mais estreita que isso. Segundo um telegrama da Embaixada dos EUA em Brasília do 9 de outubro de 2009, revelado por Wikileaks, o juiz Moro foi o principal apresentador brasileiro numa conferência do “Projeto Pontes” auspiciado pelo governo norte-americano sobre financiamento ilícito e “terrorismo”, que durou uma semana inteira no Rio e contou com a participação de juízes e procuradores de todos os estados do Brasil e mais de 50 agentes da Polícia Federal. O telegrama insta ao treinamento prático de investigadores, o que:

“deveria ser a longo prazo e coincidir com a formação de forças-tarefa de treinamento. Dois centros urbanos grandes com sustento comprovado para casos de financiamento ilícito, em particular São Paulo, Campo Grande ou Curitiba, deveria ser selecionado como local deste tipo de treinamento. Então pode-se formar as forças-tarefa e usar uma investigação real como base do treinamento”.
Extratos de um telegrama do Departamento de Estado dos EUA de outubro de 2009 sobre uma conferência onde o juiz Sérgio Moro foi realçado e que propõe estabelecer um centro de treinamento de forças-tarefa precisamente em Curitiba. A Operação Lava Jato tem sido realizado em estreita colaboração com os imperialistas de Washington e Wall Street.  

Em concreto, na Operação Lava Jato, Moro autorizou a PF e o Ministério Publico a trabalhar junto com o FBI. Em junho o juiz enviou equipes de investigadores aos Estados Unidos onde “tiveram acesso a registros bancários que somam R$ 800 milhões” (Folha Política, 19 de julho de 2015). Em contrapartida, em outubro do ano passado uma força-tarefa do FBI passou uma semana em Curitiba trabalhando com a equipe de Moro para recolher informação de ser usada em processos contra Petrobras nos EUA.

Quais são estes processos? O principal é uma “ação civil privada” (class action suit) que exige a reparação, na quantidade de bilhões de dólares, por supostas perdas sofridas por investidores de Wall Street (entre eles vários fundos brasileiros) entre 2010 e 2014. Alegam que  devido à corrupção, os balanços publicados por Petrobras foram distorcidas para dissimular as propinas e a lavagem de dinheiro pagadas a fornecedores como Odebrecht. Também há outra investigação de corrupção na empresa petroleira brasileira levada a cabo pela Securities Exchange Commission (Commissaõ de Valores e Mercadorias dos EUA) que inspeciona as bolsas norte-americanas.

De fato, toda a investigação denominada Lava Jato é realizada em acordo com setores capitalistas, brasileiros e imperialistas, que buscam quebrar o monopólio de Petrobras sobre a extração do petróleo do famoso Pré-Sal. Para saciar os apetites vorazes dos imperialistas, o governo da frente popular já organizou várias leilões de campos de exploração. Porém, sobre tudo com o atual nível baixíssimo dos preços do ouro negro, as grandes empresas petroleiras interessam-se particularmente na prestação de serviços de engenharia e a construção das obras petroleiras. É precisamente nesta indústria onde empresas imperialistas como o gigante Halliburton querem ganhar contratos que até agora eram campo de caça privado da Odebrecht e da OAS, dois dos principais alvos da Operação Lava Jato. 

Em outro telegrama do Departamento de Estado revelado por Wikileaks, do 2 de dezembro de 2009, José Serra o candidato tucano nas eleições presidenciais de 2010, é citado prometendo que, se fosse elegido, iria “mudar as regras” do sistema que no pré-sal davam a exclusividade na exploração a Petrobras e um modelo de “partilha” na produção que daria 30% à antiga empresa estatal. A legislação em vigor (do ano 2010), aprovado pelo governo de Lula, já significava uma privatização enorme deste recurso natural estratégico, garantindo às empresas privadas (sobre tudo imperialistas) 70% da exploração da camada pré-sal. De acordo com outra lei, aprovada em 2014 em resposta às mobilizações do ano anterior, uma porcentagem (bem pequena na realidade) da renda produzida pelo Pré-Sal é dedicada à saúde e à educação.

O maior interesse dos imperialistas nesta questão foi indicado num artigo publicado pela revista liberal Foreign Affairs (4 de março de 2015), sob o título “Cálculo crudo”, que sublinha a importância da estipulação de 85% de conteúdo local da tecnologia e equipamento, e o “potencial para a corrupção”. Aquela revista faz parte da base de apoio a Hillary Clinton quem, lembre-se, deu a luz verde ao golpe de estado que derrubou o presidente José Manuel Zelaya de Honduras, em julho de 2009. O fato de o Barack Obama dizer que Lula “é o cara” (“he’s my man”) numa reunião do G20 não significa que não haveria outros setores imperialistas envolvidos de uma maneira ou outra em tentativas de “mudança de regime” (“regime change”) tão querida de Washington. Hoje, parece ser o direitista presidente da Argentina Mauricio Macri que seria o favorito da Casa Branca, e de Wall Street por ter acordado pagar finalmente os especuladores abutres que compravam a preços irrisórios as dívidas inadimplidas por Buenos Aires há 15 anos.

O projeto-lei do senador tucano José Serra,  procurando abrir mais a indústria petroleira aos investidores imperialistas, foi aprovado pelo Senado em fevereiro com o apoio de Dilma. A FUP, CUT e PT se declararam contrários, mais não fizeram nada para mobilizar os trabalhadores contra a lei fatídica. Na foto, um protesto dos terceirizados da Petrobras, no dia 10 de fevereiro de 2015.  
(Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

Fiel a seus patrões imperialistas, o ex candidato presidencial tucano Serra apresentou, quatro dias após a grande mobilização anti-Dilma de março do ano passado, o Projeto de Lei 131 que eliminaia a partilha e o 30% do Petrobras. A Federação Única dos Petroleiros, a CUT e o mesmo PT se declararam contrários ao PL 131. Porém, quando foi votado no Senado neste 25 de fevereiro, a presidente Dilma apoiou em espera de ganhar a simpatia dos capitalistas. Sintomaticamente, a FUP, CUT e PT não mobilizaram nada, nem paralisaram nada para se opor à lei fatídica.

Note-se também que o juiz Moro tem participado em diferentes palestras patrocinadas pelos tucanos e que sua esposa é uma advogada que representa o PSDB no Paraná e a empresa petroleira Shell, que participou no consórcio que ganhou o leilão da Bacia de Libra em 2013. Chama a atenção que após a PF publicar a listagem dos mais de 200 destinatários da verba de Odebrecht, a grande maioria deles do PMDB e dos partidos da oposição direitista, Moro (quem quebrou o sigilo das conversas de Lula e Dilma) impõe o sigilo sobre os detalhes, evidentemente para proteger o PSDB, PP, DEM e os demais.

Quais sejam as conexões exatas entre Moro e as empresas e os governos imperialistas, não sabemos. Mas fica evidente que ele está trabalhando junto com as forças que são as mais interessadas em privatizar ao máximo a outrora estatal Petrobras, já em grande parte vendida a investidores imperialistas e brasileiros. Um juiz de 43 anos numa cidade provincial não age tão agressivamente –não somente interrogando e mandando pra prisão a funcionários de Petrobras e o presidente da maior empreiteira e empresa da construção do pais, mas também inclusive ordenando a busca, captura e condução coercitiva do ex-presidente e a divulgação de conversas privadas da atual presidenta, chefe do estado– sem ter poderosos aliados que o protegem.

O posicionamento dos militares


  Faixa na passeata do 13 de março no Rio de Janeiro pede intervenção militar. Os chefes respondem: golpe não, mas se surgem “problemas de segurança pública” então “o Exército pode ser chamado a intervir.”  (Foto: Alessandro Buzas/Futura Press)

A questão do posicionamento dos militares é de grande importância para avaliar a extensão e gravidade do confronto. Tem chamado a atenção da mídia a remoção do general Antônio Hamilton Martins Mourão da chefia do Comando Militar do Sul em outubro do ano passado. Nesse momento, o comandante do Exército, o general Eduardo Villas Boas, fez declarações à imprensa descartando uma intervenção militar na crise atual, dizendo numa entrevista com o jornal Zero Hora: “No aspecto legal, não há possibilidade de intervenção militar, golpe, nada disso. Quando me perguntam o que os militares vão fazer, digo: está escrito no artigo 142 da Constituição. Pautamos a postura do Exército para contribuir na estabilidade.”  Acrescentou que “Não podemos permitir qualquer tipo de fissura na estrutura e no pessoal da ativa ou reserva.”

Todavia, há de notar também as opiniões do general substituído, que criticou públicamente a presidente (e todos os políticos parlamentares) por corrupção e bradou para “despertar a luta patriótica”, especulando sobre a possibilidade de uma “queda controlada” da presidente, a “descontinuidade” do governo ou uma situação de “caos” no contexto da crise política atual. Assim mesmo o general Mourão autorizou uma homenagem oficial ao coronel Brilhante Ustra, “ex-comandante do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, um dos principais centros de repressão do regime militar e no qual teriam morrido 45 prisioneiros”. Foi precisamente nessa unidade onde Dilma Rousseff foi torturada durante a ditadura (Zero Hora, 30 de outubro de 2015).

A remoção do general Mourão desatou uma torrente de críticas nas redes sociais militares contra o ministro de defesa “comunista” Aldo Rebelo (PCdoB) e chamadas pelo impeachment da presidente. Foi notável o comentário de outro ex-comandante no Haiti, o general (ret.) Augusto Heleno Pereira, que comentou sobre a reação à substituição de Moura (que comandou o maior efetivo militar do pais, de 48.000 tropas):

“Esquerdopatas, fiquem calmos... Os castrenses não pensam em tomar o poder. Mas não somos robôs descerebrados e guardamos os direitos de espernear contra tantos desmandos e roubalheiras!”

As forças armadas seguramente são cheias de elementos como Mourão e Heleno, em todos os níveis.

Em dias recentes, o general Eduardo Villas Boas reiterou sua litania de que não terá intervenção militar. Mas por que repetir mais uma vez? Porque a pergunta persiste. E quando lemos outra entrevista que concedeu à imprensa em outubro passado, fica claro que o comandante do Exército, quem comandou em 2014 a segurança da Copa do Mundo, mantêm suas opções em abertas:

“As manifestações de rua que pedem a volta do regime militar são uma questão complexa. Nossa interpretação é que as pessoas não pedem a volta do governo militar, com algumas exceções. Estão reclamando dos valores. Estamos em crise econômica, política e ética. Se transformar em crise social, pode gerar problemas de segurança pública e o Exército pode ser chamado a intervir.”
Diário de Pernambuco, 17 de outubro de 2015

Pelo momento a crise não parece ter chegado a esse instituto castrense. Os elementos ativos são a Polícia Militar, que tem participada em forma protagonista de primeira categoria, e a Polícia Federal, que age como o braço armado do MPF do juiz Sérgio Moro, quando em realidade é a PF que manda. É de constatar também que as grandes mobilizações de direita gozam do financiamento e a promoção das federações patronais, que a atividade da FIESP contra o atual governo da frente popular lembra o assédio ao governo de João Goulart antes do golpe de 1964. E que o super-Moro é promovido como salvador da nação pela Famiglia Marinho, donos do gigante mediático a Rede Globo.

As indicações apontam a um movimento patronal-mediático-judiciário-policial com pelo menos algum apoio do imperialismo. Mesmo que não resulte em um golpe de estado militar clássico, aponta a um desenlace autoritário, um estado forte cuja tarefa é de impor, com mão de ferro, os ajustes, as reformas e as privatizações requeridas pelo capital, e que os governos da frente popular dirigidos pelo PT só têm implementado à médias. Agora querem ir até ao fim. ■