Hammer, Sickle and
          Four logo
Vanguarda
              Operária

setembro-outubro de 2022

Mobilizar o poder operário à frente das massas contra o regime policial-militar!

Nas urnas: Voto nulo
Nem Bolsonaro, nem Lula/Alckmin
Na rua: Luta classista
dos operários e oprimidos para
esmagar o golpismo e o perigo fascistóide


  Tropas do Exército comemoraram em 2019 o golpe de Estado de 1964. Mobilizar o poder de classe operária contra o regime policial-militar e qualquer tentativa golpista! (Foto: AP)

A “frente ampla” do PT / PCdoB / PSOL com os ex-“golpistas” do Centrão defende as “reformas” antioperárias

Não são alternativa ao governo bonapartista dos generais de pijamas que sonham reeditar o golpe de 1964

Pela revolução socialista contra
o letal regime capitalista

Publicamos abaixo uma versão ampliada do suplemento da Vanguarda Operária do 30 de setembro. No primeiro turno das eleições gerais, do dia 2 de outubro, a chapa da “frente ampla” liderada pelo ex-presidente Lula recebeu 48% dos votos válidos, enquanto o ultra-direitista Jair Bolsonaro obteve 42%. No segundo turno das eleições, no dia 30 de outubro, a Liga Quarta-Internacionalista do Brasil novamente pedirá um voto nulo contra as duas alternativas burguesas, e pela mobilização classista operária na rua contra a ameaça direitista.

Com o dedo em riste e punhos cerrados, mãos à altura do coldre, o ex-capitão Jair Bolsonaro da ala extrema direita da ex-ditadura militar ameaça anular ou não acatar o resultado das eleições de outubro. No ano passado, o presidente bonapartista ameaçou que só sairá do Palácio do Planalto “morto, preso ou com vitória”. Para os “canalhas”, acrescentou que “nunca serei preso” e que “só deus me tira de Brasília”. Neste mês de setembro suavizou um pouco sua retórica, até falar de “passar a faixa [presidencial] e me recolher” – claro que somente “se essa for a vontade de deus”. Mas a poucos dias dessa piedosa declaração numa emissora evangélica, o presidente que queria “fuzilar a petralhada”1 volta ao ataque contra o Supremo Tribunal Eleitoral, alegando que “Se nós não ganharmos no primeiro turno, algo de anormal aconteceu dentro do TSE”. E agora (29 de setembro) ele escreve que “as Forças Armadas terão que agir”, e sem demora.

O presidente Bolsonaro ameaça “fuzilar a petralhada” e “se precisar, vamos à guerra”.
(Foto: Aílton de Freitas / Agência O Globo)

O palco está montado para um confronto, inclusive violento. Em junho, o capitão-presidente Bolsonaro disse em discurso, “Se precisar, vamos à guerra” contra “inimigos internos”. Chegou o momento da verdade. O que fazer? Setores-chave do capital e a esquerda reformista estão convocando para votar na candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), à frente de uma frente ampla de dez partidos. Mas esta mega-coligação burguesa promete manter as “reformas” anti-operárias decretadas por Bolsonaro e seu antecessor, Michel Temer, após o impeachment da presidente petista, Dilma Rousseff, em 2016. Apelam ao TSE e o Supremo Tribunal Federal para salvá-los. Mas este STF avalizou a prisão de Lula em 2018 para impedi-lo de ganhar as últimas eleições, e hoje concordou que os militares realizassem uma contagem paralela dos votos – uma receita para o desastre.

Ao atar os trabalhadores a setores da burguesia, a direção lulista impede uma poderosa luta para esmagar os golpistas.

De fato, a direção lulista, ao subordinar os trabalhadores e os oprimidos a setores do inimigo de classe por meio de suas coaligações cada vez mais “amplas”, impede uma luta poderosa para esmagar os golpistas, e assim prepara o que poderia ser uma derrota sanguinária.

Nós, trotskistas, da Liga Quarta-Internacionalista do Brasil dizemos não à colaboração de classes, que nas eleições apelamos a votar nulo e ao mesmo tempo mobilizar na rua o poder de classe operária para esmagar a ameaça golpista e suas torcidas fascistóides. Já tínhamos 13 anos de governo da frente popular petista que protegeu os interesses capitalistas em troca de algumas migalhas de programas assistencialistas. O resultado: um governo bonapartista (policial-militar), o crescimento da ultra-direita mortífera e a eliminação de inúmeros direitos e conquistas dos trabalhadores. Já passamos dois anos de pandemia da COVID com um saldo de centenas de milhares de mortos devido à sabotagem do sistema de saúde pública. O embate já chegou, o reformismo é caduco. Há de forjar um partido operário revolucionário em luta por um governo operário e camponês e a revolução socialista internacional para derrubar o capitalismo podre.

Nas vésperas do confronto

Nas vésperas do primeiro turno das eleições gerais, a candidatura presidencial de Lula tem uma vantagem ampla nas pesquisas de opinião com 48% (e 50% dos votos “válidos”), contra 33% para Bolsonaro.2 A margem seria insuperável ainda que os levantamentos subestimassem o voto bolsonarista; mesmo assim, Lula ganhar uma maioria absoluta no primeiro turno fica incerto. Daí a pressão dos lulistas para que em 2 de outubro se dê um “voto útil”, e a insistência dos bolsonaristas em questionar a legitimidade do sistema eleitoral. Assim se vislumbra um confronto pós-eleitoral no qual os enfurecidos perdedores rechaçam o resultado da votação.


  A multidão de meio milhão de partidários de Bolsonaro no comício na Esplanada dos Ministérios em Brasília no dia 7 de setembro, na comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil. (Foto: Presidência da República)

Não deveria haver nenhuma ilusão quanto ao número ou natureza reacionária do núcleo duro dos bolsonaristas. No dia 7 de setembro, a celebração do bicentenário da independência do Brasil se converteu em enormes concentrações de partidários do presidente bonapartista, que ambiciona um regime militar e policial, com meio milhão em Brasília e outras centenas de milhares em São Paulo, Rio de Janeiro. As hostes ultradireitistas levavam faixas com lemas (muitos em inglês) como “Exigimos intervenção militar com Bolsonaro no poder e criminalização do comunismo no Brasil Já!!!” Também, “Queremos o saneamento das instituições STF, TSE e Congresso!” e “Pedimos que as F.A. assumam o governo do Brasil!” A primeira dama, Michelle Bolsonaro, vociferou à multidão que “essa nação pertence ao senhor Jesus” e “o inimigo não vai vencer!”

O caráter fascistóide da base dura de Bolsonaro. No ato de Brasília do 7 de setembro houve dezenas de faixas pedindo a intervenção das forças armadas contra os tribunais e comunistas.
(Foto:  Walder Galvão / TV Globo)

Mas do outro lado, não houve resposta nacional massiva, no máximo demonstrações regionais celebrando à figura de “Lulinha paz e amor está de volta”, como o petista se apresentou num jantar com destacados empresários no dia 27. Setores chave da burguesia brasileira estão alarmados com a futura direção do país. Consideram Bolsonaro um fator de instabilidade que pode provocar uma explosão. São cientes de que o Brasil não só tem o segundo maior número de mortes da COVID do mundo, após os Estados Unidos – com 685.000 falecidos devido à pandemia – mas que o padrão de vida dos trabalhadores caiu drasticamente nos últimos anos. No ano 2021, a inflação disparou a 12% e houve uma queda dos salários em mais de 8%. Diante desse desastre, os principais capitalistas querem conter a raiva popular com ilusões eleitorais lulistas.

Outra vertente da resposta dos setores tradicionais da burguesia brasileira é recorrer ao Tio Sam para suplicar proteção. Os governantes norte-americanos estão fazendo todo um show de se posicionar contra uma tentativa de “autogolpe” de estado bolsonarista. No dia 9 de junho, na “Cúpula das Américas”, o presidente dos EUA Joe Biden foi assegurado por Bolsonaro de que este não interferiria nas eleições de outubro.3 Quando no dia 20 de julho, o presidente reuniu embaixadores estrangeiros no Planalto para alegar que o sistema brasileiro de votação poderia ser fraudado, ao dia seguinte o porta-voz do Departamento de Estado Ned Price declarou que “Eleições no Brasil são modelo”, como destacou o site Poder 360. E no dia 24 viajou uma delegação de 19 ONGs brasileiras para fazer lobby nos corredores do poder em Washington.


  Manifestação de apoiadores de Lula e do PT em 25 de setembro. Apelando à calma, os líderes da "frente ampla" não procuraram contrariar as concentrações do dia da independência de Bolsonaro com uma grande mobilização nacional, mas limitaram-se a manifestações regionais. (Foto: Dado Galdieri para o New York Times)

Que os EUA pretendem se opor a um golpe de Estado seria novidade, dado que somente neste século XXI já apoiaram golpes ou intentonas na Bolívia, Haiti, Honduras, Nicarágua e Venezuela. Mas em qualquer caso, não está claro que tais gestos verbais teriam o efeito de impedi-lo. No dia seguinte à reunião com Biden em junho, o ministro de defesa de Bolsonaro, o general Paulo Sérgio Nogueira, reclamou à imprensa nacional que o TSE não atendia as queixas dos militares sobre o sistema eleitoral. E quando no dia 29 de setembro o senado norte-americano aprovou uma resolução instando a Casa Branca de “reconhecer imediatamente o resultado da eleição no Brasil” e a “reconsideração das relações” com todo governo brasileiro resultante de “métodos antidemocráticos”, no mesmo dia um documento do Partido Liberal de Bolsonaro reciclou 24 acusações de que as eleições de outubro serão fraudadas.

Ao mesmo tempo, os atos de violência de bolsonaristas contra adversários se multiplicam. Em julho houve a execução do candidato do PT a vice-prefeito de Foz do Iguaçu em sua festa de aniversário por um agente penitenciário partidário de Bolsonaro. Logo, após os atos eleitoreiros do 7 de setembro, um apoiador de Lula em Mato Grosso foi assassinado por um bolsonarista que tentou decapitá-lo com um machado. No dia 24, um partidário de Bolsonaro entrou em um bar no Ceará, perguntou “quem aqui é um eleitor de Lula” e assassinou a faca um homem que respondeu “eu sou”. E no dia 27, um cabo eleitoral do PT em Manaus foi golpeado na cabeça com barra de ferro por um bolsonarista. Em resumo, o Grupo de Investigação Eleitoral da UNIRIO relatou 214 assaltos politizados no primeiro semestre de 2022 (Reuters, 27 de setembro).

“Democracia” capitalista vigiada pela polícia e militares


  Reunião do Alto-Comando do Exército em seu Quartel-General. Segundo informes, os chefes militares decideram "respaldar o resultado das eleições presidenciais”. Pode ser, ou não. (Foto: Centro de Comunicação Social do Exército)

Ou seja, o cenário está montado para um confronto. Então, caso Bolsonaro perca, haverá um putsch, um golpe de estado clássico? O consenso entre a direita burguesa tradicional e a esquerda reformista institucional (PT, PCdoB, PCB, PSOL, etc.), e inclusive de parte da mal denominada extrema esquerda, é que as condições não estão dadas para uma tomada de poder militar. Raciocinam assim: no golpe de 1964, os institutos militares estiveram unidos contra o governo de João Goulart; o grosso da burguesia apoiou os generais sublevados; a grande maioria da imprensa também, e a embaixada dos EUA estava até os dentes nos preparativos. Hoje, dizem, a alta oficialidade militar não quer, o Centrão está coligado com Lula, seu outrora arqui-inimigo O Globo atua como agência eleitoral do PT, e os EUA estão contra. Conclusão: cenário descartado.

Na atualidade, há toda uma ofensiva tranquilizadora sobre o tema: as mídias publicam em uníssono que os militares “garantem ... que não haverá nenhum tanque na rua, seja qual for o resultado das eleições” (Agência Pública, 28 de setembro); que “em reunião no Quartel-General, o Alto-Comando do Exército selou posição de respaldar o resultado das eleições presidenciais” (Estadão, 30 de setembro), e que “a frase ... disseminada na tropa desde a primeira semana de agosto” é “Quem ganhar, leva” (Rede Brasil Atual, 30 de setembro). Pode ser, ou não. Não esquecemos que em sua cobertura do 7 setembro na capital, enquanto estas mídias enfatizaram que o “Bolsonaro envergonha o País no Bicentenário” com seu mega-comício eleitoral, eles quase silenciavam o enorme desfile “cívico-militar” durando duas horas e meia, com a participação de todos os corpos armados, policiais e militares, junto com setores bolsonaristas.

Mas o filme não acaba aí. Os institutos de investigação sócio-político-militar encarregados em antecipar, analisar e formular respostas para os imperialistas sobre futuros embates concordam em que, como escreveu o International Crisis Group, “O maior risco de violência em torno da eleição no momento parece residir na possível reação dos devotos de Bolsonaro no caso de um resultado eleitoral adverso” e que um cenário “mais realista” seria “que os militares e a polícia não respondam se forem chamados a conter a violência ou mesmo uma tentativa de revolta por partidários de Bolsonaro, talvez incluindo membros dessas forças.” A mesma análise cita um ex-policial que anota: “Bolsonaro, e depois seus filhos, souberam explorar muito bem” o “sentimento de abandono dos policiais, notadamente os militares...”. E conclui:

“mesmo que as eleições terminem pacificamente e sem grandes traumas, as correntes reforçadas pelo governo de Bolsonaro podem não ser tão fáceis de controlar. O número crescente de grupos que professam uma ideologia de extrema-direita, com fácil acesso a armas e um senso aguçado de queixa, pode representar uma ameaça contínua de agitação.... As simpatias por essas crenças entre militares e policiais complicam ainda mais as coisas.”4

Diante desta possibilidade bem real de uma tentativa de reverter os resultados da eleição, coloca-se a tradicional elite burguesa conservadora e a esquerda reformista concordam em primeira instância recorrer à justiça capitalista, em particular o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas foi essa justiça burguesa que, em plena campanha eleitoral de 2018, ordenou a prisão de Lula, na época o candidato à presidência com mais apoio, por absurdas acusações de corrupção. Não foi apenas o direitista juiz Sérgio Moro e sua força-tarefa da investigação Lava-Jato que buscava criminalizar o PT. O STF aprovou o uso dos grampos ilícitos da Polícia Federal de conversas entre o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff, para impedir que Lula fosse eleito.


  Lula livre, no dia 8 de novembro de 2019, após 580 dias na prisão de Curitiba devido à "investigação" de corrupção pela força de tarefa de Lava-Jato que procurou criminalizar o PT, que recebeu o aval do STF para evitar que o líder do PT ganhara as eleições de 2018. Mas quando a burguesia precisava dos serviços do líder do PT para afastar Bolsonaro, os ministros do tribunal descobriram que sua prisão foi injustificada . (Foto: Rodolfo Buhrer / Reuters)

Mas quando em 2021 a burguesia decidiu que precisava dos serviços do líder do PT para afastar o errático Bolsonaro com sua desastrosa administração da pandemia da COVID, o STF fazia reviravolta e anulou os cargos inventados e o liberaram após ano e meio de prisão ilegal. (Também liberou os bens do ex-dirigente metalúrgico, estimado em R$ 27 milhões!) E agora, depois de um ano de teatro de acusações do presidente Bolsonaro contra o ministro do STF e atual chefe do TSE Alexandre de Moraes, este último negociou a portas fechadas um acordo com o ministro de defesa Nogueira segundo o qual os militares podem auditar até 64 urnas, usando biometria de eleitores, e que Comando de Defesa Cibernética do Exército faria uma apuração paralela à totalização dos votos pelo TSE em 385 urnas!

Já no ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral, teria feito uma concessão perigosa à campanha de Bolsonaro de acusações sem prova de fraude eleitoral ao incluir as forças armadas entre as entidades fiscalizadoras do processo eleitoral, além dos 32 partidos e 15 outras organizações, entre elas a Polícia Federal e a Confederação Nacional da Indústria! Na “melhor” das hipóteses, a participação militar na contagem dos votos seria a maneira de envolver os fardados no endosso do resultado da votação. Caso contrário, como advertiu a Folha de S. Paulo (12 de setembro), poderia ser “usada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para disseminar desconfiança nas urnas eletrônicas e mais à frente contestar o resultado do pleito”. Em qualquer caso, viola o suposto caráter apolítico das forças armadas e a sua subordinação ao controle civil, e formaliza uma “democracia vigiada” pelos militares, policiais e capitalistas.

Não à ditadura das dragonas ou da toga,
não à ditadura letal do capital – pela ditadura libertadora
do proletariado que ponha fim ao domínio imperialista


  Desfile “cívico-militar” em Brasília antes do comício de Bolsonaro no dia 7 de setembro. (Foto: Metropoles)

No fundo, a “estratégia” do “centro-direita” e da esquerda reformista consiste na procura do apoio do imperialismo ianque. Vejamos. Cinco dias após do elogio do sistema eleitoral pelo porta-voz do Departamento de Estado no dia 21 de julho surge a “Carta as Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”. Esta iniciativa da faculdade de direito da Universidade de São Paulo chegou a receber cerca de “3.000 assinaturas entre banqueiros, empresários, juristas, sindicalistas, políticos, atores e diversas outras personalidades”, disse o jornal da USP. Logo o número de assinantes chegou a mais de um milhão. Apelando a Biden, a Carta comparou a invasão de 6 de Janeiro de 2021 do Capitólio dos EUA com a ameaça dos fanáticos de Bolsonaro no Brasil atualmente:

“Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito. Aqui, também não terão.”

Isso ainda não está definido. Vamos ver.

Entre os primeiros assinantes da Carta estava a FIESP, a Federação das Indústrias de São Paulo, um dos principais impulsionadores da expulsão da presidenta petista Dilma em 2016 e da prisão do ex-presidente petista Lula em 2018. A FIESP também apoia a “frente ampla” encabeçada por Lula e concebida em um almoço com outro ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, em maio de 2021, quando uma pesquisa Datafolha mostrou Lula como candidato mais apto para derrotar Bolsonaro. O dirigente tucano e o ex-líder sindical, agora milionário, tem sido aliados desde quando nos anos 70 o Lula apoiou a candidatura de FHC ao senado pelo Movimento Democrático Brasileiro, a oposição autorizada pela ditadura militar.

De fato, apesar das acusações de “comunista” proferidas pelos bolsonaristas, o dirigente petista se modelou na figura de Lech Walesa, o sindicalista anticomunista que jogou um papel chave na contrarrevolução na Polônia aos finais dos anos 80. Será, então, que a amplíssima frente a favor da candidatura de Lula para presidente e o tucano Geraldo Alckmin como vice pode barrar o militarismo e seu apêndice fascistóide?

Lula sempre procurou se aliar com o imperialismo. Sob o governo republicano de George Bush II, o petista ofereceu seus serviços como xerife no Caribe, ocupando Haiti sob o rótulo das Nações Unidas. Na república negra, as forças de ocupação brasileiras em capacetes azuis da ONU afinavam táticas de contrainsurgências que logo utilizavam nas favelas e morros do Rio de Janeiro e na periferia de São Paulo. Se converteu o Rio em capitólio das chacinas policiais e a PM carioca em agência de assassinato em escala industrial. Surgiram as milícias de ex-PMs e bombeiros militares, como os que assassinaram Marielle Franco, sob proteção do Bolsonaro. O presidente democrata Barack Obama ovacionou Lula como “o político mais popular do mundo”, acrescentando “Eu amo esse cara”. Mas como disse o sanguinário estrategista imperialista Henry Kissinger, “Ser inimigo dos Estados Unidos pode ser difícil, ser amigo é fatal”.

O apoio verbal dos EUA não assegura o triunfo em um confronto com teimosas forças reacionárias. Por trás da atual crise eleitoral brasileira está o espectro do ataque ao Congresso norte-americano em 6 de janeiro de 2021 às ordens do presidente Donald Trump, quem, após ter sido derrotado nas urnas, tentou se agarrar ao poder. O próprio Bolsonaro questionou a legitimidade da eleição de Biden e em muitos assuntos (vacinas contra COVID, direitos dos gays e pessoas transgênero, etc.) tem atuado como fiel acólito do Trump. Mas ao presidente Trump faltou o apoio do alto comando militar, enquanto no caso brasileiro o desempenho das forças armadas é ainda uma questão em aberto. Se, não obstante os gritos dos democratas de uma “insurreição” fracassada, o dia 6 de janeiro em Washington foi uma opera buffa de simulacro de golpe militar, um caótico motim racista, o desenlace no Brasil pode ser bem diferente.

Partidos reformistas como o próprio PT e seu racha o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), estalinistas convertidos em social-democratas como o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e PCB (Partido Comunista Brasileiro), e até correntes menores da (não tão) extrema esquerda como o PCO (Partido da Causa Operária) apostam em Lula e na frente ampla burguesa como o remédio certo para preservar a “democracia” e exorcizar o demônio Bolsonaro. A julgar pelas pesquisas, daria a impressão que o bolsonarismo já está derrotado. Mas se as coisas são assim, por que será que Dilma foi cassada em 2016, em plena popularidade, ou que o próprio Lula amargou 580 dias na prisão? Na realidade, nem ele nem o PT nem o conjunto da esquerda combateram seriamente estas medidas de proibição eleitoral, porque todos se subordinavam ao “Estado Democrático de Direito”. Pela mesma razão não podem combater ao bolsonarismo.


  Apoiadores de Bolsonaro marchavam na praia de Copacabana no dia 7 de setembro. Para resistir uma tomada de poder por forças fascistóides respaldadas por setores da oficialidade do Exército, da Marina e das Policias Militares – deveria organizar grupos de defesa operária e camponesa e lançar poderosas greves. (Foto: Dado Galdieri para o New York Times)

Uma direção que procura resistir uma tomada de poder por militares – ou por forças fascistóides respaldadas por setores da oficialidade do Exército, da Marinha e das Policias Militares – deveria organizar grupos de defesa operária e camponesa, para defender as manifestações e as sedes sindicais e de esquerda. Organizaria poderosas greves gerais e das principais categorias, paralisando indústrias e transportes como mostra de seu poder proletário, plenamente capaz de derrotar as forças do estado capitalista. Nada disso tem acontecido, porque todos aceitam as regras do estado capitalista “democrático” e dependem de seu aparelho repressivo (militares, policias, tribunais e juízes). Incumbe aos autênticos revolucionários comunistas lutar para iniciar tais medidas elementares de luta contra o inimigo de classe, mesmo em pequena escala e localizados.

O único caminho – a luta pela revolução socialista internacional!

Nas eleições de outubro 2022, a maior parte da esquerda está apelando a votar pelo Partido dos Trabalhadores e seu candidato presidencial Lula. Entre eles estão várias das múltiplas correntes do PSOL, mas também grupos menores que falsamente reivindicam a herança do trotskismo, incluindo a Corrente Marxista Internacional. Outros pseudo-trotskistas estão apoiando um “Polo Socialista e Revolucionário” animado pelo PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), que ofereceu sua legenda a outros grupos de esquerda. O PSTU, que apoia sua militante Vera Lucia para presidente, é um grupo anticomunista que se alinha com o imperialismo ianque sobre a Síria, Venezuela, Cuba e atualmente apoia a Ucrânia na guerra com a Rússia instigada pelos imperialistas dos EUA e da OTAN. Em 2016, o PSTU apoiou efetivamente o impeachment da presidente petista Dilma, e em 2018 saudou a prisão do ex-presidente Lula. Neste ano, o PSTU diz que apoiará Lula se houver um segundo turno.


  A Liga Quarta-Internacionalista do Brasil e o Comitê de Luta Classista lutavam em 2016 por deflagrar uma greve geral contra as “reformas” anti-operárias e contra a frente popular liderado pelo PT.  (Foto: CLC)

Nós da Liga Quarta-Internacionalista, seção brasileira da Liga pela Quarta Internacional, temos insistido desde as eleições de 2002, quando Lula se candidatou em uma chapa com José Alencar do direitista Partido Liberal, que “a LQB é a única organização da esquerda brasileira que tem defendido a política autenticamente trotskista de não dar nenhum voto a nenhum candidato ou partido de uma frente popular”,5 a qual ata as massas trabalhadoras a setores da classe dominante burguesa. Nisso nos baseamos nos escritos de Trotsky sobre a traída Revolução Espanhola dos anos 1930. Em uma carta que ele escreveu justamente ao momento de estalar a Guerra Civil, o dirigente bolchevique e fundador da Quarta Internacional comentou:

“No momento, o problema dos problemas é a Frente Popular. Os centristas de esquerda tentam apresentá-la como se fosse uma manobra tática ou mesmo técnica, para oferecer suas mercadorias à sombra da Frente Popular. Na realidade, a Frente Popular é a principal questão de estratégia da classe proletária nesta fase. Também oferece o melhor critério para desenhar a diferença entre bolchevismo e menchevismo.”
–León Trotsky, “A seção holandesa e a internacional”, 15-16 julho de 1936

É isto precisamente o que o Polo Socialista e Revolucionário faz hoje, vendendo suas mercadorias à sombra da frente popular.

No mês de julho, em um movimentado ato com mais de 100 pessoas, a professora carioca Carolina Cacau, que é filiada ao Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT, seção brasileira da corrente internacional Fração Trotskista), lançou a sua candidatura pelo Polo Socialista e Revolucionário. Além do PSTU e o MRT, outra tendência que faz uso do Polo é a Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST) do PSOL. As candidaturas abarcam as diferentes identidades étnicas e de gênero, com muitas mulheres e dezenas de indígenas. Mas o “programa” dista muito de resolver a problemática que tem encharcado o país de sangue. Assim fala-se de “reforma agrária”, como se nós tivéssemos ainda na era das revoluções democráticas burguesas.6 Mas a existência da escravidão no campo a dois séculos da independência e 134 após sua pseudo-abolição, é produto da decadência do capitalismo e exige uma revolução socialista.

É certo, existem enormes latifúndios, alguns destes do tamanho do estado do Maranhão. Tem uns que são de propriedades de gigantescas empresas mineradoras como no caso a Vale do Rio Doce. Inclusive não devemos esquecer que esta mineradora longe de proteger a fauna e a flora brasileira é responsável criminosa ainda impunemente de uma das maiores tragédias ocorridas no Brasil que foi afogar em lamas de minério de ferro a população de uma cidade inteira e toda uma região de Minas Gerais. Mas estes latifúndios são empresas capitalistas, e a extrema pobreza no campo não será eliminada ao distribuir algumas parcelas aos camponeses pobres, esta meta só será alcançada mediante a expropriação da burguesia por meio de uma revolução agrária que estabelece granjas coletivas e socializadas. Nesta era imperialista, não existe mais lugar para reforma agrária no Brasil.  

Persiste o racismo, inclusive mortal. Ao redor do Brasil profundo, a matança de camponeses e indígenas é uma das maiores da América Latina, fato confirmado pelo famoso Relatório Figueiredo de 1967 o qual narra o genocídio e a matança de mais de 5.000 indígenas durante a ditadura militar. Mortes que não pararam, pelo contrário aumentaram em todos os governos da Nova República inclusive alcançando os governos de FHC e do PT. Atualizando esses dados, com a ênfase que foi dada pelo regime bonapartista e militarista de Bolsonaro, o jornal Brasil de Fato (2 de agosto) utilizando dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) nos informa que: “Em 2020, 20 pessoas foram vítimas das disputas territoriais. Segundo a CPT, entre 2016 e 2022, foram assassinados 98 trabalhadores sem-terra, 58 indígenas, 28 posseiros, 25 quilombolas, 25 assentados, sete trabalhadores rurais, bem como outras 36 pessoas, entre pequenos proprietários, ribeirinhos, ambientalistas, etc.” Nenhuma reforma resolveria isto.


  A Polícia Militar assedia as favelas do Rio, assassinando milhares de moradores cada ano. Os sindicatos deveriam organizar grupos de defesa operária contra a matança de jóvens pretos pelas forças do “estado democrático de direito”. (Foto: Dado Galdieri para o New York Times)

Os componentes do Polo debateram sobre um programa comum mais extenso para a campanha. O MRT na sua contribuição apelou à “autodefesa coletiva das massas contra o golpismo bolsonarista e contra grupos de ultra direita, a partir dos sindicatos...”.7 Há também encantamentos pelo “Fim do genocídio da juventude negra nos bairros populares pela polícia!” Mas como? Não há nada sobre a criação de grupos de defesa operária, baseados nos sindicatos, para impedir a matança de jovens negros nas favelas e morros, e de povos indígenas e camponeses. Porque não? Porque colocaria a questão da polícia à queima-roupa, e da PM em particular, quando os outros componentes (PSTU, CST) deste bloco de propaganda podre apoiam a polícia militar quando entram em “greve”. Não à toa, os monitores burgueses dos direitos humanos da ONU tem dito destes corpos especiais de homens armados, “a polícia brasileira é a que mais mata ao redor do mundo”.

As propostas do MRT para o programa do Polo apelam “um governo dos trabalhadores sem patrões”. Mesmo que se acrescenta logo “abrindo caminho para uma sociedade socialista” no futuro, esta formulação mole é à direita mesmo do PSTU, que no papel defende “um governo socialista dos trabalhadores, que governe através de conselhos populares....”. (Opinião Socialista, 22 de setembro). Em qualquer dos casos, estas são apenas palavras enganosas para esconder o fato de que estão apelando a formação de governos do estado capitalista. Desde 1990, o PT, que caracteriza os seus regimes como “governos dos trabalhadores”, tem invariavelmente feito uma frente popular com algum sector da burguesia, e sempre Lula e Dilma apenas gerenciavam os negócios capitalistas. E o PSTU-Polo promete, se houver uma segunda volta das eleições, votar na chapa de Lula-Alckmin, ou seja, num governo com os patrões.

Conclusão: diante da ameaça golpista de Bolsonaro de uma ditadura militar como aquela que durante um quarto de século infernizou a vida da população e da esquerda no Brasil, e da “alternativa” Lula de uma frente ampla que abrange praticamente todas as alas da burguesia brasileira – duas variantes da ditadura do capital – é necessário lutar por um governo operário-camponês que exproprie toda a burguesia por meio da revolução socialista internacional, liderada por um partido operário revolucionário construído na luta para reforjar uma Quarta Internacional autenticamente trotskista. ■


  1. 1. Quer dizer, partidários do Partido dos Trabalhadores.
  2. 2. Pesquisa Datafolha, publicada na Folha de S. Paulo, 23 de setembro.
  3. 3. A “cúpula” foi boicotada pelos presidentes do México e os países de América Central devido à recusa dos EUA a convidar a Cuba, Nicarágua e Venezuela. Joe Biden tampouco convenceu nem sequer um país do hemisfério a se juntar às sanções contra Rússia em represália pela guerra com Ucrânia (apoiada pelos EUA e demais imperialistas da OTAN).
  4. 4.International Crisis Group, “Os verdadeiros Bolsonaristas: os riscos de um ano eleitoral” (16 de junho de 2022).
  5. 5. Ver nosso artigo “Romper com a Frente Popular de Lula, Por um partido operário revolucionário! Governo PT/PL: Bombeiro do FMI,” Vanguarda Operária No. 7, janeiro de 2003.
  6. 6. O Manifesto do Polo Socialista e Revolucionário defende “uma reforma agrária que assegure terra e condições de produção aos camponeses pobres”.
  7. 7. “Conheça os eixos de campanha, programa, método e debates do Polo Socialista Revolucionário,” Esquerda Diário, 23 de junho.