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Vanguarda
                Operária

julho de 2011

É preciso mobilizar a força da classe operária para
derrotar a frente popular militarizada de Cabral


  Reformistas a reboque da “greve”
dos bombeiros militares cariocas

Policiais militares e bombeiros militares do Rio juntos na passeata do dia 12 de junho em Copacabana. Os BMs são também forças auxiliares do aparato repressivo do estado burguês. (Foto: SOS Bombeiros)

30 de JUNHO de 2011 – A ocupação por bombeiros militares do estado do Rio de Janeiro do quartel central da corporação na noite do dia 3 de junho desencadeou não somente um confronto com o autoritário governo estadual de Sérgio Cabral Filho, mas também uma luta política importante no seio do movimento operário. As principais correntes à esquerda do Partido dos Trabalhadores (PT), ou seja, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), particularmente o segundo, apóiam ostensivamente o movimento dos bombeiros cariocas. Como forças predominantes na direção do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro, tem ligado sua greve da rede estadual à ação dos bombeiros militares. No entanto, nas assembléias do Sepe-RJ e por meio de um boletim, o Comitê de Luta Classista (CLC), ligado a nossa organização, a Liga Quarta-Internacionalista do Brasil, tem criticado duramente a postura da liderança por alimentar ilusões perigosas sobre a natureza destas forças auxiliares do aparato repressivo do estado burguês brasileiro.

A repressão aos bombeiros pelo governador-exterminador é típica deste político que gosta de exibir a imagem de punho de ferro, e do governo da coalizão governante (PMDB e PT) que ele dirige no estado. Temendo que elementos do Batalhão de Choque recusassem reprimir os “companheiros” bombeiros, Cabral enviou o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) para realizar uma operação do tipo “Tropa de Elite” com gás lacrimogêneo, bombas “de efeito moral” e disparos de fuzil, aprisionando 439 bombeiros na maior prisão na história da cidade. Também denunciou os bombeiros amotinados como “covardes, vândalos, irresponsáveis, criminosos”. Em resposta às prisões, formou-se uma frente dos partidos parlamentares, da direita à “esquerda”: foram apresentados na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e no Congresso em Brasília projetos de lei anistiando os bombeiros militares por dirigentes do PR (como por exemplo, o ex-governador fluminense Anthony Garotinho), do PT e do PSOL (Chico Alencar), contando com o apoio dos Democratas direitistas e do social-democrata Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Até o mesmo Cabral se diz favorável à anistia.

Desde 2007, a LQB condenou o bonapartista Cabral por buscar instalar um verdadeiro estado policial e criminalizar toda oposição. Explicamos como seu governo – uma “frente popular” que subordina os trabalhadores a setores burgueses por meio de uma aliança entre o PT, partido operário reformista (pró-capitalista) e partidos da própria burguesia, neste caso o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – havia declarado guerra aos sindicatos e aos pobres. Assinalamos omo o Governador Mata-Tudo foi escorado pelo governo de frente popular de Lula no Planalto. Este enviou tropas de elite da Força Nacional de Segurança para ocupar os morros do Rio usando táticas de contra-insurgência que praticam como mercenários na ocupação imperialista do Haiti. Ao mesmo tempo advertimos contra o PSTU, que às vezes se disfarça de trotskista enquanto busca aliar-se com os PMs (ver “Luta operária contra a frente popular militarizada”, Vanguarda Operária No. 10, maio de 2008). Nas marchas, no Sepe e na corrente sindical animada pelo PSTU, Conlutas, o CLC lutou contra toda participação da polícia.

O governador-exterminador Sérgio Cabral Filho passa em revista os policiais de elite da Força Nacional de Segurança, janeiro de 2007. (Foto: Silvia Izquierdo/AP)

Hoje o cenário se repete. O PSOL, que finge apoiar a desmilitarização e até o desarmamento dos bombeiros, não menciona este tema disputado em sua moção pela anistia. Entretanto estes ex-petistas apóiam a “justa luta dos bombeiros do Rio” para igualar seus soldos com os dos policiais militares (nota do PSOL/RJ, 06/06/2011). Ainda mais entusiasta tem sido o PSTU, que faz toda uma exibição ostensiva em seu site na Internet sobre “Os dias em que o Rio se tingiu de vermelho”. Milhares de adesivos do partido, dizem, foram distribuídos com lema “Somos todos bombeiros”. “Uma tsunami vermelha toma a cidade e se espalha pelo estado”, proclamam. Vislumbra que a situação atual poderia avançar até dar a luz a um movimento “Fora Cabral”. Na manifestação dos bombeiros (e PMs) na orla de Copacabana no dia 12 de junho, que cifram em 50 mil, o dirigente do PSTU/RJ Cyro Garcia anunciou que “os ventos do Norte da África e da Europa começam a soprar por aqui”. Um leitor poderia concluir que a cidade estaria a ponto de estalar numa explosão de luta classista. Será então que haverá nos próximos dias barricadas nas praças?

A “tsunami vermelha” arrastou não somente os reformistas como PSOL e PSTU, que abertamente apóiam o capitalismo, senão também vários centristas, que combinam retórica pseudo-revolucionária e uma prática que não atenta contra a ordem burguesa. Mais notável neste sentido foi o Partido Causa Operária (PCO), que chama à população trabalhadora a “apoiar integralmente a luta dos bombeiros” (Causa Operária, 12/06/2011). O PCO chama o Bope de “fascista”, citando o ataque ao QG do Corpo de Bombeiros como prova. Critica o PSOL, com razão, por elogiar as Unidades de Polícia Pacificadora já que estas colocam várias favelas do Rio “sob estado de sítio.” Pronunciam algumas palavras a favor da desmilitarização dos bombeiros. Mas negligenciam mencionar que a luta dos bombeiros é para que sua situação seja mais equivalente à das outras “forças militares auxiliares”, os PMs. E porque não comentam o fato de que os mesmos bombeiros participam na imposição das UPPs, como recentemente na ocupação do morro da Mangueira?

“A ação é coordenada pela Secretaria de Segurança, pela Polícia Militar e pela Polícia Civil, com apoio da Marinha do Brasil (Corpo de Fuzileiros Navais), da Polícia Federal, do Corpo de Bombeiros, da Defensoria Pública....”

O Globo, 20/06/2011

Ao mesmo tempo o pequeno Coletivo Lênin, pese a suas pretensões de seguir o trotskismo ortodoxo segue o exemplo do PSTU ao chamar, numa nota em seu blog com data de 11 de junho, “Que todos os trabalhadores e jovens combativos da cidade se unam em solidariedade aos Bombeiros rebelados.

Outros grupos centristas criticam o PSTU por seu apóio aos bombeiros. A Liga Bolchevique Internacionalista (LBI) disse, numa nota em seu site do dia 6 de junho, que “não poderíamos apoiar as reivindicações do movimento dos bombeiros”. Dá prioridade à demanda da desmilitarização do Corpo, assinalando que seu caráter militar deriva-se das cláusulas da Constituição de 1988 (Art. 144). Critica a “ofensiva contra a população pobre das favelas” pelo governo de Cabral, mas silencia e não explica como os bombeiros participam nela. Tampouco menciona sua principal função militar auxiliar: a forte participação de bombeiros militares nas milícias do Rio, ou seja, nos grupos de extermínio extra-oficiais que semeiam o terror nos morros. Na realidade, a LBI gostaria de apoiar os bombeiros se estes só mudassem um pouco suas demandas.

Bombeiro armado no quartel central do Corpo no Rio, julho de 2008.
(Foto: Marcelo Carnaval/O Globo)

A Liga Estratégia Revolucionária-Quarta Internacional (LER-QI), ligada à Fração Trotskista (FT) liderada pelo PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas) da Argentina, tem assumido uma postura mais dura frente à “greve” dos bombeiros, intitulando sua declaração “Nenhum apoio ao repressor Sérgio Cabral nem ao motim dos bombeiros” (5 de junho). Assinala que os bombeiros querem continuar como forças militares auxiliares, exigindo aumento de salário também para os policiais militares; menciona a conexão de bombeiros com ações paramilitares (como no atentado contra o Riocentro [1981]) e que constituem “a espinha dorsal das milícias que matam, reprimem e extorquem diversas comunidades no Estado”. Então, qual é a proposta da LER? “O PSTU e a Conlutas devem tomar a dianteira para organizar a luta contra a exploração capitalista e a repressão estatal, o que exige não defender as instituições repressivas, mas combater pela dissolução de todos os órgãos de repressão....” Como sempre, a palavra de ordem da LER é: procurar que o PSTU/Conlutas lute.

Desta maneira a LER-QI funciona como grupo de pressão sobre um partido reformista e a central sindical que anima, que só buscam modificar – e não derrubar – o capitalismo. Isto esvazia de qualquer valor as tomadas de posição mais radicais da LER, porque fica mais que evidente que o PSTU e CSP Conlutas não vão romper o marco do domínio burguês. Com seu enfoque de “revolução democrática” burguesa – herança do mestre do PSTU, o falecido Nahuel Moreno – os morenistas de nossos dias, ao descartar a luta pela revolução proletária, vão a reboque de forças bem antidemocráticas... como a polícia. Não é somente uma opção política: a base social do PSTU encontra-se na burocracia sindical, cuja missão é controlar as bases buscando um arranjo com os patrões, enquanto o PSOL se baseia nos eleitos do sistema parlamentar burguês. Mesmo que a LER e a FT fazem críticas póstumas a Moreno e afirmam ter rompido com o morenismo, na prática seguem a mesma pauta “democraticista”. Na Argentina, o PTS acaba de formar uma Frente de Esquerda e dos Trabalhadores sobre um programa eleitoral reformista – um típico bloco de propaganda, que se prospera seria a porta de entrada a uma frente popular.

Quem são e o que querem os bombeiros militares?

Em muitos países, os bombeiros, mesmo que estes poderiam sentir-se próximos à polícia no sentido de serem da categoria de “serviços uniformizados”, são entidades distintas. Os policiais formam parte dos “corpos especiais de homens armados” que constituem a espinha dorsal do estado capitalista; são profissionais da repressão. Os bombeiros dedicam-se a combater incêndios e prestar auxilio, não tem armas. No México, nas passeatas do Primeiro de Maio, os odiados policiais são vaiados enquanto os bombeiros (parte da administração civil) recebem aplausos. No Brasil também, os bombeiros são vistos por muitas pessoas como salva-vidas. Por isso que sua propaganda proclamando-se a si mesmo de “heróis” teve impacto.

Porém, a realidade é outra. Em particular, na ditadura militar (1964-1985) os corpos de bombeiros passaram ao comando das polícias militares dos estados e participaram na repressão. Ainda após a queda da ditadura foram designados “forças militares, reserva do Exército.” Concretamente, o Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Rio de Janeiro desde 1995 ficou subordinado à Secretaria de Segurança Pública, seus integrantes são militares estaduais (assim como são os PMs) com graus militares (praça, cabo, sargento, capitão, etc.), comandados por coronéis e sujeitos à disciplina castrense.

O caráter militar dos bombeiros brasileiros não é somente questão de leis e regulamentos. Recebem treinamento militar. A terça parte do corpo do RJ, mais de 5 mil bombeiros, é oficialmente armada – “um pequeno exército”, como comenta O Globo (19/06/2011). Mais ainda, tem autorização de portar até três armas cada um (um revólver, uma espingarda e uma carabina), enquanto o policial militar só pode ter (oficialmente) dois revólveres. E mesmo que supostamente são proibidos usá-las em serviço, estas armas são usadas com muita freqüência contra a população. Não obstante o governo fingi que há guerra entre as “forças da ordem” e as milícias que matam com impunidade nas favelas, ninguém no Rio ignora que “os grupos paramilitares são liderados, quase que em sua totalidade, por agentes públicos estaduais: policiais civis, policiais militares, bombeiros militares e agentes do Desipe, além de integrantes das Forças Armadas”, como concluiu o Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as Milícias no Estado do Rio de Janeiro (14/11/2008). Grande parte destes líderes são BMs.

A envergadura do banho de sangue nos morros cariocas é horripilante. Dos 5 mil mortos por violência anuais no estado do RJ, uma taxa de homicídio sem comparação ao nível mundial, mais de mil pessoas são assassinados cada ano pela polícia, militar e civil, três vezes mais que em São Paulo. Embora seja catalogado de “mortos de resistência”, a grande maioria destas mortes são execuções sumárias, segundo os procuradores e alguns oficiais da polícia mesma. E quase a metade (45%) dos assassinatos restantes é realizada pelas milícias (O Estado de S. Paulo, 01/06/2011). Não estamos falando de vinganças passionais, tiroteios com narcotraficantes ou de elementos policiais fora de controle. Eis aqui todo um sistema de controle da população por parte das “forças militares auxiliares” do estado capitalista. E agora os bombeiros militares, muitos dos quais formam o eixo deste sistema, querem melhorar seu salário, status e “condições de trabalho” para equiparar com os PMs – o que lhes daria mais força para acrescentar seu domínio paramilitar sobre os empobrecidos favelados.


Bombeiros militares, soldados, suboficiais e oficiais juntos, na passeata do dia 12 de junho no Rio, onde
marcharam junto com policiais militares e professores, a instância da liderança sindical do PSTU e
PSOL.
(Foto: SOS Bombeiros)  Abaixo:
Adesivo do PSTU.

Vejamos quais são as reivindicações dos bombeiros militares cariocas: queriam em primeiro lugar “voltar à Secretaria de Segurança Pública ou de Defesa Civil” (se sentiam inferiorizados na Secretaria de Saúde durante a campanha contra a dengue). Isto imediatamente foi concedido por Cabral, que criou uma nova Secretaria de Defesa Civil. Querem também aumentar seu soldo ao nível dos policiais militares do Distrito Federal (Brasília, maior soldo da categoria no Brasil), o que também buscam os PMs do Rio. Exigem a aprovação pelo Congresso do Projeto de Emenda Constitucional (PEC 300), que enraizaria a equiparação de todas as forças militares (mas não civis) na Constituição. E finalmente querem a anistia. A prisão massiva dos bombeiros da parte de Cabral foi uma medida bonapartista que logo poderia ser usada contra a classe operária, constituindo uma ameaça aos direitos democráticos em geral. Porém, a anistia que estão tramitando vai além disso: acrescentaria um novo artigo à Lei Federal 12.191 de 2010, que anistiou PMs e BMs em seus movimentos “reivindicatórios” entre 1997 e 2010, para incluir toda ação por estes militares durante 2011. Seria uma carta branca para estimular ações bonapartistas destas forças militares, como aconteceu em 1997.

Seria possível que o parlamento brasileiro conceda tal anistia a qualquer categoria de trabalhadores? É impensável. A razão pela aprovação quase unânime dos partidos burgueses da anistia é que reconhecem que dependem das forças militares e paramilitares os quais são a coluna vertebral do estado capitalista e que eles consideram essenciais para seu domínio de classe sobre os trabalhadores e pobres da cidade e do campo. Alguns setores querem ainda “desmilitarizar” o corpo de bombeiros e até “desarmar” os BM. Isto foi a proposta do deputado estadual fluminense Marcelo Freixo (PSOL) e do relatório final da CPI sobre as milícias que ele dirigiu. Embora os projetos de lei neste sentido não tem avançado. Mesmo sendo aprovada a separação dos bombeiros militares dos policiais militares, isto não seria uma garantia de uma mudança da função dos agora BMs como força militar auxiliar, a qual é baseada em grande parte em sua posição de dominação extra-oficial.

A “greve” dos bombeiros do Rio de Janeiro não é um movimento dos trabalhadores contra o estado-patrão que forma parte da luta de classes contra o domínio capitalista, mas sim uma iniciativa de um setor do aparato repressivo para melhorar sua posição e remuneração como “força militar auxiliar” do capital, em distinção aos servidores públicos civis e em conjunto com os policiais e até com os altos comandos da corporação. Para quem teve alguma dúvida sobre o caráter reacionário do movimento, basta dar uma olhada às faixas nas manifestações que proclamam “PMs e bombeiros unidos” e ainda considerar que os dirigentes do movimento dos bombeiros, que são oficiais (capitães) e não soldados, formaram uma “Frente Unificada das Entidades de Classe da Segurança Pública” com associações de policiais militares.

Trotsky: “Os policiais são inimigos ferozes, implacáveis”

Leon Trotsky, na Praça Vermelha, Moscou, 1920. Trotsky escreveu sobre Alemanha: “O operário que se torna policial a serviço do estado capitalista é um policial burguês e não operário.”

Em seu 1° congresso em julho de 2008, a Conlutas (dirigida pelo PSTU), para fazer valer sua identidade frente à CUT (e após o fracasso de uma projetada fusão com a Intersindical), batizou-se “uma coordenação combativa, classista”. Curiosa concepção “classista” que considera os integrantes do aparato repressivo do estado capitalista como parte do proletariado. Porque não é questão somente dos bombeiros militares, o PSTU e Conlutas também, e isto desde há muitos anos, são ávidos de sindicalizar a “categoria” dos policiais, tanto civis como militares. Tão ávidos, de fato, que no congresso da Conlutas participaram “sindicatos” e associações de policiais, cuja presença foi defendida com unhas e dentes pelo PSTU sob o pretexto de “representar toda a classe trabalhadora”. Em oposição a essa tese perigosa e traidora, nossos camaradas do Comitê de Luta Classista insistiram no programa de fundação do CLC (1997): “O sindicato é da classe operária, não dos burgueses e seus agentes... policiais (de nenhum tipo) não são parte da classe operária, são o braço armado da burguesia.”

Imediatamente após a formação do CLC, este ponto fundamental de seu programa provou ser de grande atualidade frente à onda de “greves” de policiais e bombeiros militares em 1997 em quase todo o país. O PSTU vangloriou-se de ter apoiado ostensivamente esta “rebelião” em Belo Horizonte, onde foi liderada pelo Batalhão de Choque da PM mineira, “acostumado a reprimir nossas greves” (Opinião Socialista, 03/07/1997). Estes morenistas faziam um apelo vergonhoso pela unidade dos “trabalhadores de farda” (os PMs!) e “seus irmãos desarmados”. Outras correntes reformistas faziam o mesmo. Combate Socialista (25/06/1997), corrente morenista do PT, agora no PSOL, proclamou: “Todo apoio à greve da polícia de Minas.” O Trabalho, corrente pseudo-trotskista dentro do PT de seguidores do falecido Pierre Lambert, contou com o dirigente “sindical” da polícia civil alagoana em suas fileiras. O ex-maoísta PCdoB fez campanha na UNE (União Nacional de Estudantes) sob o lema: “Povo e policiais unidos, jamais serão vencidos”, ao mesmo tempo que pregoava o desarmamento da população.

Contra este apoio ao motim policial, a Liga Quarta-Internacionalista proclamou: “Não a coligação com a burguesia e sua polícia!” (Vanguarda Operária No. 2, 08-10/1997). Dizemos bem alto que “os PMs são inimigos da classe operária e lutamos pela desfiliação de todo o tipo de policiais da CUT.” Citamos as palavras do grande revolucionário bolchevique Leon Trotsky que já havíamos publicado no primeiro número de VO, advertindo contra ilusões entre os trabalhadores na polícia alemã em vésperas da tomada de poder pelos nazi-fascistas de Hitler:

 “O fato dos agentes de polícia terem sido recrutados em grande parte entre os trabalhadores social-democratas, não quer dizer absolutamente nada. Aqui também a existência determina a consciência. O operário que se torna policial a serviço do estado capitalista é um policial burguês e não operário.”

Was Nun? Schicksalsfragen des deutschen Proletariats [E agora? Questões vitais pelo proletariado alemão] (janeiro de 1932)

Em julho de 1996, o SFPMVR fazia história ao votar a desfiliação dos policias do sindicato. (Foto: Comitê de Luta Classista)

Recentemente vários grupos centristas repetem a mesma citação. Embora eles usem as palavras de Trotsky só para por pressão sobre o PSTU o PCO, nós nos esforçamos desde o primeiro momento em por em prática a política trotskista. Em julho de 1996, o Sindicato dos Funcionários Públicos do Município de Volta Redonda (RJ), em cuja direção participaram vários camaradas da recém fundada LQB, fazia história ao desfiliar policiais (guardas municipais) do sindicato. Por este ato verdadeiramente classista foram duramente reprimidos pelos tribunais burgueses, auxiliados pelo conjunto da esquerda tais como: o PT, PCdoB, PSTU, LBI, Causa Operária e outras correntes da esquerda.

Atualmente, para justificar sua política nefasta de abraçar à “greve” dos bombeiros militares do Rio, o PSTU publicou uma extensa matéria (escrita por seu principal dirigente Eduardo Almeida e outro colaborador) contra a LER-QI, “Polêmica: porque é correto apoiar a luta dos bombeiros”. Neste texto, o PSTU pretende que seu apoio a estas forças militares auxiliares é uma expressão da estratégia militar da III Internacional comunista “de dividir as forças armadas burguesas antes da insurreição”. Agora, em contraste com sua posição de 1997, o PSTU aceita que “Evidentemente os policiais não são partes do proletariado e trabalham em uma instituição repressora do Estado burguês, uma superestrutura a serviço da classe dominante.” Mas em seguida escreve que “por serem recrutados no proletariado, os policiais também vendem sua força de trabalho e sofrem com a péssima qualidade de vida como qualquer outro trabalhador, pois recebem baixos salários” e por isto “podem se dividir”. Ou seja, o PSTU quer dividir os policiais ao apoiar suas “greves”, ao tratar-lhes como trabalhadores. Este raciocínio oportunista se opõe pelo vértice à posição revolucionária de Trotsky na Alemanha nos anos 30.

Ao fazer de conta que sua política atual segue à da III Internacional de Lênin e Trotsky, o PSTU faz uma equivalência entre policiais e soldados do exército. No entanto, existe uma grande diferença entre soldados recrutados pelo serviço militar obrigatório, como é o caso no Brasil, e policiais que são recrutados voluntariamente a uma instituição de repressão. O mesmo Trotsky, em sua História da Revolução Russa (1930), dá uma descrição vívida da distinção que faziam os trabalhadores russos entre à polícia e os soldados na revolução de fevereiro de 1917:

“A multidão expressou um ódio feroz contra a polícia. Dispersaram os policiais montados com vaias, pedradas, lançando pedaços de gelo. Muito distinta a atitude dos operários em relação com os soldados. Ao redor das barracas, cerca das sentinelas e patrulhas, podia ver grupos de operários e operárias falando amistosamente com os homens do exército.”

Mais logo no mesmo capítulo, sublinha:

“Os policiais são inimigos ferozes, implacáveis, que odeiam e são odiados. Nem sequer pensar em ganhar eles... É diferente com os soldados: a multidão busca por todos os meios evitar confrontos hostis com eles; pelo contrário, busca maneira de influir neles a seu favor, convencer, atrair, fraternizar, fundir-se. ”

Como vemos, na Alemanha e na Rússia, Trotsky teve a mesma política sobre os policiais e os distingue dos soldados.

E os PMs e BMs no Brasil hoje? Uma coisa é ter ilusões na polícia britânica, os famosos bobbies que tinha fama (nunca justificada) de andar desarmada. Lá também rejeitamos toda presença de policiais no movimento sindical, por serem inimigos de classe dos trabalhadores. Mas no Brasil, o país de incontáveis massacres levados a cabo pela Polícia Militar, pensar que os policiais são ou deveriam ser tratados como, “trabalhadores de farda” pode levar a equívocos mortíferos. Os PMs são repressores profissionais: é sua função exercida , tanto no BOPE, no Batalhão de Choque e na Polícia Militar como um todo. Os BMs são, precisamente, forças militares auxiliares, isto é, de auxílio à polícia militar. Auxiliam o Exército e à Força Nacional de Segurança que Cabral convidou vir ao Rio em 2007 para impor a “ordem”. Como já vimos com sua “greve” atual, os bombeiros cariocas buscam uma equiparação mais estreita com seus “irmãos” policiais. E acima disto, há o papel dirigente de BMs nas milícias que mantêm em estado de sítio as favelas do Rio, o que só seria intensificado com melhores salários e condições de trabalho pela Corporação.

“Desmilitarização” dos bombeiros militares?

Policiais militares e bombeiros militares de Alagoas em “greve”, julho de 1997. O PSTU deu “todo apoio”, a LQB advertiu contra qualquer apoio a estes assassinos profissionais. (Foto: Marco Antônio/AP)

Qual é a alternativa, então? Quase todos na esquerda brasileira, tanto aqueles que apóiam a “greve” (PSOL, PSTU, PCO e outros menores) e os que a criticam, se pronunciam a favor da “desmilitarização” dos bombeiros. Para alguns, como a LBI, é sua principal palavra de ordem na contenda; outros, como a LER-QI, dão menos ênfase nela. (Curiosamente, quando um professor do Sepe-RJ, militante do PSTU, teve a ousadia de pronunciar a palavra “desmilitarização” em sua fala na ocupação das escadas da ALERJ, foi rechaçado pelos bombeiros.) Certamente, não há nenhuma necessidade porque um serviço civil como é o apagar incêndios, ser guarda-vidas na praia e resgatar pessoas em risco requer ser uma força militar. Mas que significa fazer da desmilitarização dos bombeiros uma reivindicação? No relatório da CPI das milícias, aprovado unanimemente pela Alerj e encaminhada ao Congresso federal pelo deputado Marcelo Freixo do PSOL, a desmilitarização é concebida como medida para regularizar e fazer menos arbitrária e mais eficiente a repressão em nome da “defesa do Estado Democrático de Direito”. Isto não significa torná-la menos violenta.

Assim, o relatório propõe: “20. Desarmamento/desmilitarização do Corpo de Bombeiros, visto o quantitativo de integrantes dessa organização envolvidos nas atividades milicianas, bem como, por público e notório, em diversas outras atividades criminosas, sobretudo em razão de posse/porte de arma de fogo.” Esta proposta em diversos pontos como sugestão é precedida por:... “11.Criação de uma Câmara de Repressão ao Crime Organizado, que envolva órgãos especializados da Polícia Civil, do Ministério Público, do Judiciário”. Também: “16. Cobrança ao Ministério Público para que exerça, fática e efetivamente, o controle externo da Polícia, bem como fiscalize todo o sistema de segurança.” Porém, substituir um maior controle das favelas pela polícia oficial (que assassina impunemente mais de mil pessoas cada ano) ao atual exercido pelos grupos paramilitares liderados por PMs e BMs, não seria exatamente um avanço no interesse dos trabalhadores. Além disso, levante-se a pergunta: quem precisamente realizaria a desmilitarização (e desarme!) dos bombeiros militares?

Interessantemente, o PSTU, em sua principal matéria sobre o movimento dos bombeiros, se opõe ao desarme dos BMs: “Mas atenção bombeiros e policiais, desmilitarizar não significa desarmar.” Ou seja, estão anunciando que podem guardar suas pistolas, espingardas e carabinas usadas com freqüência para amedrontar e sujeitar a população pobre. O PSTU está oferecendo, em sua suposta tentativa de “dividir” as forças militares, garantir a continuidade da dominação das milícias nas favelas! Contudo, mesmo se a lei exigisse, os bombeiros dificilmente vão render suas armas, sobretudo no clima de insegurança que reina nos morros e outros bairros do Rio. Tampouco vão entregar pacificamente a base econômica de sua dominação: “a venda de gás, o transporte alternativo, a ‘gatonet’ (serviço de TV a cabo pirata) e... os serviços de segurança clandestina”, como dizia o deputado Freixo numa entrevista no jornal O Dia (05/09/2010). Este poder econômico não poderia existir sem alguma relação com empresas legais, desde as agências do gás até empresas como Sky-TV (aliás “skymiau” nas favelas).*

Além da “desmilitarização” apregoada pelos partidos burgueses e reformistas, cujo propósito seria de regularizar o sistema de repressão, a LER-QI oferece uma utopia democraticista: em sua nota do dia 5 de junho, ela chama o PSTU e Conlutas, como de costume, a “combater pela dissolução de todos os órgãos de repressão”. Cabe perguntar: quem dissolveria o aparato policial repressivo, e como vai fazer? Em vários artigos nos anos recentes criticando o PSTU, a LER simplesmente repete “dissolução” sem mais. Desta maneira ela deixa implícito que esta medida poderia ser efetuada sem derrubar o atual estado burguês: Porém, quando em novembro de 2010, em meio do massivo repúdio provocado pela brutal ocupação policial no morro Complexo do Alemão, o PSTU chama pela “dissolução da polícia”, a LER tem que admitir “como sempre nós vínhamos defendendo”, mas insiste, “Quando este partido prega a dissolução da polícia é para reformar a polícia” (“Não é possível uma polícia democrática”, nota da LER do dia 03/12/2010). Na realidade é um conceito de reformismo utópico, seja em boca do PSTU ou da LER.

A ilusão: o PSOL elogia as “Unidades de Polícia Pacificadora” de Cabral, aqui jogando com crianças numa creche em Cidade de Deus. (Foto: Lalo de Almeida/New York Times)

O PSTU tem a virtude de explicitar sua concepção: pretende “acabar com as polícias atuais, investigar e prender toda sua banda podre e criar outra. A nova polícia teria que se organizar de forma radicalmente diferente da atual.” Não haverá distinção entre polícia civil e militar (“não serve de nada”), haverá “mais liberdades democráticas” pelos policiais e precisa que “seus comandantes ou delegados sejam eleitos pela população da região onde atuam” (Eduardo Almeida, “Como enfrentar a violência urbana?” nota do PSTU do dia 27/11/2010). Para sublinhar o “realismo” de sua proposta, Almeida escreve que “a eleição de delegados locais é realizada em muitos países, inclusive nos EUA”! Sim, no estado norte-americano do Arizona, o xerife do condado Mariposa, um fascistóide que organiza bandas paramilitares para caçar imigrantes sem documentos, é eleito pela população. Grande “avanço democrático” isto! No clima atual de insegurança e histeria sobre o “crime” atiçada pela mídia e os políticos burgueses, o programa de limpar a polícia e eleger os chefes poderia resultar na legalização dos grupos de extermínio.

A idéia utópica de que sem derrubar o capitalismo se pode “dissolver” o aparato de repressão militar no Brasil, que sujeita brutalmente a legião de famélicos, mesmo contando com programas assistencialistas como Fome Zero, é um absurdo. Nesta época do capitalismo decadente, a conquista de elementares direitos democráticos exige uma revolução social.

Apesar do caráter reformista da proposta do PSTU, a LER-QI responde graciosamente, “O PSTU tenta encontrar uma solução teórica e programática baseada na tradição revolucionária”. A LER pretende que, “Como lição da Comuna vimos que a polícia foi dissolvida.” No entanto, isto não foi a lição tirada da experiência da Comuna de Paris pelos grandes marxistas. A conclusão tirada por Karl Marx em meio a Comuna foi: “revolução na França deve tentar, antes de tudo, não passar para outras mãos a máquina burocrática e militar - como se tem feito até aqui - mas quebrá-la”. Em vésperas da Revolução de Outubro 1917, Lênin sublinha: “Essas palavras – “quebrar a máquina burocrática e militar do Estado” – condensam a grande lição do marxismo a propósito do papel do proletariado revolucionário com relação ao Estado” (O Estado e a Revolução [agosto-setembro de 1917]). Alternativamente Lênin utiliza as palavras esmagar, suprimir, demolir, destruir por meio de uma revolução, mas nunca “dissolver” como poderia decidir uma assembléia burguesa democrática a respeito de alguma dependência secundária do estado.

A polêmica recente do PSTU contra a LER começa e termina com a caracterização “um erro escandaloso.” É uma resposta implícita à matéria da LER “A posição escandalosa do PSTU em defesa da polícia” (Palavra Operária, 23 de abril de 2008). Por mais que se escandalizam mutuamente, como já dissemos, as duas correntes compartilham de uma mesma ótica “democraticista” contrária à luta pela revolução socialista. Se os primeiros buscam a convivência com a polícia assassina, os segundos utilizam a linguagem dos liberais burgueses defensores dos “direitos humanos” orientados pelo imperialismo “democrático”. Ao contrário dos sonhos democrático-reformistas de desmilitarização ou dissolução dos órgãos repressores, o Comitê de Luta Classista (corrente sindical ligada à Liga Quarta-Internacionalista) tem lutado durante anos pela expulsão dos policiais de todo tipo dos sindicatos e por mobilizar a força dos sindicatos em defesa dos oprimidos. Assim em junho de 2008, o CLC introduziu – e o Sepe-RJ aprovou – uma moção após o seqüestro e assassinato de três jovens negros pelo exército nas favelas:

“Os tentáculos da frente popular militarizada fluminense de colaboração de classes fazem ponte repressiva entre as favelas de população afro do Rio e as do Haiti; treina-se aqui e mata-se lá; treina-se lá e mata-se aqui... Chamamos o Sepe a unir-se aos moradores que realizam protestos e principalmente mobilizar o poder da classe operária.... PELA EXPULSÃO DE TROPAS BRASILEIRAS DAS FAVELAS DO RIO E HAITI!!”

A luta por construir um partido trotskista no Brasil

A realidade: polícia ataca a favela Jacarezinho no curso da ocupação do Complexo do Alemão, o dia 24 de novembro de 2010. Como diz a resolução do Sepe-RJ, introduzida pelo CLC: Mobilizar a classe operária para expulsar as tropas das favelas cariocas e do Haiti!
(Foto: Sérgio Moraes/Reuters)

É um lugar-comum afirmar que não há solução aos problemas do crime e da violência policial sob o capitalismo. Qualquer social-democrata ou sociólogo burguês o diria. A questão é, quais conclusões programáticas que se tiram? Após policiais militares matarem 30 pessoas na chacina da Baixada Fluminense no ano de 2005, o pior massacre da história do estado, ante os chamados por “dissolver todos os corpos repressivos” (do sociólogo Luis Mir) e pela “extinção da PM e a formação de outro corpo de segurança pública estritamente civil e técnico” (do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade dentro do PSOL), nós insistimos na necessidade de “Mobilizar os trabalhadores pela auto-defesa operária e camponesa!” (“El Brasil de Lula – Tierra de masacres”, El Internacionalista No. 5, maio de 2005):

“Em situações como a que atualmente prevalece no Brasil, quando os trabalhadores da cidade e do campo enfrentam milícias privadas patronais e grupos de extermínio, é preciso dirigir às organizações de massas dos explorados a reivindicação de formar grupos de autodefesa operária e camponesa....”

Notando como o desarme da população ajuda os criminosos violentos e policiais e militares assassinos, chamamos a lutar contra toda lei de controle de armas. Sublinhando a necessidade de combinar a mobilização na fábrica com o bairro, indicamos os importantes setores industriais petroquímicos e metalúrgicos no Sul fluminense e também a presença do sindicato do magistério, o Sepe-RJ:

“Com uma direção classista, poderia realizar-se a autodefesa operária na Baixada Fluminense e Rio de Janeiro. Mas sua organização requer uma luta política contra a burocracia sindical pró-capitalista subordinada, direta ou indiretamente à frente popular.”

Esta burocracia não limita-se à CUT, agora governista, ou centrais ainda mais à direita, como a Força Sindical. As lideranças da Conlutas, do Sepe-RJ e do Sindsprev-RJ, quer dizer, o PSTU e PSOL e a Intersindical, impulsionada por este último, também fazem uma oposição acirrada à ação independente dos trabalhadores, buscando colocar as lutas a reboque do estado capitalista, neste caso através do apoio aos bombeiros militares e policiais militares “em luta”. (Quando o PSTU fala de “associações de autodefesa” é para pedir licença do estado para “se proteger dos bandidos”, não da arremetida da polícia.) Na realidade, estes setores de esquerda buscam fazer um bloco político com outros setores burgueses numa “frente popular militarizada” bis. Para combater toda a burguesia e atacar as bases econômicas das milícias, é necessário apresentar todo um programa de reivindicações transitórias – com um massivo plano de obras públicas sob controle operário, destacando pela construção de milhões de casas; e combater o desemprego com a redução da jornada de trabalho sem corte de salário – que apontam à expropriação do capital pela revolução socialista. Exigimos também a anulação de todas as leis que criminalizam ou regulam o uso ou venda das drogas – Abaixo com a “guerra contra as drogas”, que acoberta a guerra de classe contra os trabalhadores, negros e os pobres, particularmente nos morros e favelas, bairros miseráveis, campo de treinamento de tropas brasileiras que assassinam a população pobre no Haiti.

Sobretudo, para realizar a revolução é imprescindível profundo conhecimento e compreensão sobre a natureza do estado burguês. Em toda América Latina tem havido muita confusão sobre a relação entre a polícia e o movimento operário. No final de setembro de 2010, setores da esquerda no Equador apoiaram um motim da polícia, alegando que tratava-se de outros “trabalhadores” ameaçados pelo governo populista burguês de Rafael Correa, quando na realidade a ação dos policiais foi entrelaçada com uma tentativa golpista de setores da Força Aérea.

No Brasil a equiparação de policiais e trabalhadores vem da tradição do corporativismo do Estado Novo de Getúlio Vargas e mais recentemente do Partido dos Trabalhadores, que considera todos os empregados do estado “servidores públicos”. No fundo, tanto o apoio às “greves” de policiais e bombeiros militares como as propostas pela “democratização/desmilitarização” dos corpos derivam-se da concepção social-democrata da suposta “neutralidade” do estado, a qual tem sido implantada como marca registrada no “governar para todos” do PT, isto é, supostamente tratar iguais pobres e ricos, como se não houvesse classes sociais. Isto é o contrário da compreensão marxista de que o estado é um instrumento de domínio do capital pela repressão dos explorados e oprimidos.

A luta polêmica em torno do movimento dos bombeiros cariocas lança uma luz intensa sobre o fato de que a grande maioria dos partidos e grupos brasileiros que se reclamam do trotskismo, na realidade são social-democratas, cujas perspectivas são fortemente influenciadas por suas origens no PT de Lula. Quando falam do “socialismo com liberdade e democracia” (PSOL), duma “revolução democrática” (como fazem os morenistas do PSTU, do Egito até Brasil), ou mesmo quando formalmente rejeitam aquela visão reformista-burguesa (caso dos ex-morenistas da LER), seus enfoque são contrários à luta pela revolução socialista do trotskismo autêntico. A controvérsia sobre os BMs sublinha novamente a vital importância de construir um partido operário revolucionário baseado no programa trotskista da revolução permanente, que lute por um governo operário e camponês. Para realizar a revolução agrária no campo ou derrotar o imperialismo na Líbia, para combater a repressão das forças militares brasileiras no Haiti, nos morros e favelas do Rio, isso requer uma direção revolucionária que lidere os trabalhadores na luta pelo poder operário e que estenda a revolução a todo o continente americano até as entranhas do monstro imperialista.


* O PSTU afirma que há tensões entre os setores de baixos salários da PM/BM e a (mais bem paga) tropa de elite do Bope. Um exemplo de tal conflito houve na favela de Batan (zona oeste do RJ), ali onde foram detidos e torturados por paramilitares os jornalistas de O Dia em 2007. No ano seguinte, justo em meio da publicidade em torno da CPI das milícias, informa-se que um cabo do Batalhão de Choque e um soldado da PM fizeram ameaças contra um tenente do Bope. O motivo: este havia firmado um contrato com a Net Serviço – empresa propriedade da Rede Globo (Roberto Marinho) e Embratel (subsidiária de Telmex, de Carlos Slim, o terceiro homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes) para prover acesso a Internet por banda larga “a preços populares”. Os PMs subalternos pediam “explicações” desta competência com seu serviço extra-legal de gatonet, que depende do acesso ao sinal de Sky Brasil – empresa propriedade da mesma Rede Globo e News Corporation (de Rupert Murdoch). Como se vê, no fundo houve um conflito entre “monopólios mediáticos armados”, uma sorte de “parceria público-privada de novo tipo” como dizia ironicamente um comentarista.

O motim dos bombeiros cariocas de 2011
não é igual à Revolta da Chibata de 1910

João Cândido, o “Almirante Negro”, durante a Revolta da Chibata em novembro de 1910.

A comparação entre o motim dos bombeiros cariocas com a Revolta da Chibata feita por Miguel Malheiros (PSTU, o mesmo que foi  rechaçado pelos BMs ao pedir a desmilitarização destes em uma de suas manifestações),  quando  polemizando com a camarada Cecília (LQB-CLC), numa reunião importante no SEPE-RJ, é de uma infelicidade enorme. O motim dos BMs cariocas incorpora entre sua liderança alguns oficiais do comando e reivindicou equiparação de prestígio e soldos com os da PM e o Bope, Força Nacional, valores contidos num esboço de plano de cargos e salários que pretendem verem legalizados mediante a aprovação da PEC 300 conforme explicado nesta matéria. Em outras palavras: valorização cada vez maior do prestígio militar, melhorando suas condições e por extensão seus instrumentos de trabalho, para poder assim reprimir mais ainda a população pobre, negros e negras, ora de forma mais, digamos, branda com poderosos jatos d’água, em outras vezes, não raras, com cassetetes e de forma mais letal com armas de fogo de grosso calibre.

Já a Revolta da Chibata era diretamente dirigida contra os oficiais, tanto assim, que o comandante e mais três oficiais foram mortos ao desacatarem as ordens dos liderados pelo “Almirante Negro”, João Cândido. A Revolta da Chibata principalmente ocorreu para erradicar a chibatada como punição a indisciplina na categoria dos marinheiros, um resquício de escravidão que ainda persistia na Marinha Brasileira. A chibatada já havia sido abolida em 1890 após a proclamação da república no Brasil ocorrida em 1889, um ano após a abolição da escravatura. No entanto, para agradar o prazer sádico dos oficias brancos saudosos de espancamentos de negros e negras escravizados em praças públicas, o governo de Hermes da Fonseca colocou este instrumento de tortura nas mãos do comando da Marinha.

 Ademais, os amotinados contra a chibata eram recrutados à força e em sua esmagadora maioria eram negros, os quais exerciam trabalhos braçais extenuantes a bordo dos navios. Nenhum deles tinham nomes envolvidos em massacres, assassinatos contra a população pobre do país, como ocorre com cerca de 20% da corporação dos bombeiros (participando nas milícias nos morros do Rio de Janeiro), os quais são recrutados voluntariamente e treinados pela repressão militar-policial.   

Até mesmo a fonte inspiradora tinha evidentes contornos ideológicos bem diverso daqueles que motivaram os contemporâneos BMs cariocas. A Revolta da Chibata se inspirou no movimento operário inglês (cartismo) e principalmente  na  Revolta do Couraçado Potemkin, que por sua vez ocorreu após o “Domingo Sangrento” onde em janeiro de 1905 o czar mandou fuzilar milhares de operários grevistas. Então, em junho de 1905 os marinheiros do couraçado puniram feroz e merecidamente o comando do navio de guerra, devido às péssimas e famintas condições de trabalho e por se recusarem continuar na guerra contra o Japão, quando esta já havia vitimado mais de cinco milhões na população Russa no contexto da Revolução de 1905 (“Ensaio Geral” da Revolução Russa de 1917, segundo Lênin).

Como se pode analisar comparando os dois motins (e não “greves”), os amotinados liderados pelo Almirante Negro não reivindicavam navios de guerra possantes com poderosos canhões com diâmetros maiores, ou para jogar jatos d’águas na população, como fazem bombeiros contra grevistas e a população. Tampouco atiraram para matar como fazem os BMs, seja quando participam de milícias, ou quando ocupam morros e favelas auxiliando a matança do Bope e da Tropa de Choque da PM, Força Nacional ou outros setores do braço armado dos capitalistas.  A Revolta da Chibata foi dirigida contra a oficialidade, enquanto os dirigentes dos BMs cariocas saudaram a criação da Secretaria de Defesa Civil comandado pelo chefe do Corpo de Bombeiros Militares como “grande vitória”.


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