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Vanguarda
              Operária
julho de 2013

O PSTU dá aula sobre a questão militar

O conto de fadas da
polícia “amiga do povo”


  Mulher enfrenta policial no Rio de Janeiro. (Foto: Eduardo Naddar/Agência O Dia)

Durante semanas o Brasil tem sido o palco de multitudinários e tumultuosos protestos nas quais manifestantes foram agredidos brutalmente pelas polícias de todo tipo, e com freqüência resistiram inusitada e corajosamente. À medida de que as passeatas tem-se convertido em lutas de rua, os porta-vozes da burguesia vituperam contra a violência ... dos manifestantes que respondem às pancadas, jatos de água e balas de borracha da polícia. Cada noite nos noticiários da televisão denunciam os “vândalos”. Os grandes jornais responsabilizam “baderneiros” por tudo, inclusive o maior engarrafamento de trânsito na história de São Paulo, 300 km na noite do dia 28 de julho, supostamente devido a algumas atividades dos manifestantes do Black Block na Avenida Paulista.

Nesta situação o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado encontra cada vez mais dificuldade em justificar sua política vergonhosa de abraçar os policiais como “trabalhadores uniformizados” ao mesmo tempo em que repulsa os jovens que combatem os repressores profissionais da burguesia. Contudo o PSTU agora tenta “teorizar” sua linha perversa num pretensioso artigo sobre “Violência, manifestações de rua e o papel da polícia” (18 de julho). Pareceria que canta a mesma canção de alguns partidos burgueses. Para disfarçar, busca alterar a linguagem: em lugar de censurar o “vandalismo” diz que “Não podemos ter nenhum acordo com quem parte para atitudes isoladas numa manifestação”. Outras palavras, mesmo conteúdo.

Como pode-se ver, o PSTU tentou ter o cuidado de não deixar transparecer que faz apologia da repressão. “Mas isso não quer dizer que achamos que os ativistas da juventude que realizam estes atos devam ser punidos, perseguidos e presos.... não responsabilizamos esses companheiros”. Assim lava as mãos pelas conseqüências de sua fala. Muito obrigado pela elucidação hipócrita, senhores “socialistas”. Os revolucionários proletários, entretanto, defendemos os lutadores que querem desferir um golpe contra os símbolos do capital, ao mesmo tempo que lhes instamos a dirigir sua fúria contra o sistema capitalista mesmo, em conjunto com a força social que tem o poder de derrubar o domínio dos exploradores, a classe operária.

Logo o autor da nota do PSTU, Asdrubal Barboza, quer direcionar seu vitupério contra “atitudes isoladas” com alguns sentimentos nobres de autoria marxista. Escolheu para esse propósito uma frase de Friedrich Engels, de sua famosa introdução à edição de 1895 da obra de Karl Marx, As lutas de classes na França de 1848 a 1850. Famosa, porque os socialistas reformistas alemães daquele então fizeram cortes no texto para acalmar a burguesia. O trecho citado pelo teórico do PSTU diz: “Mesmo no período clássico das lutas de ruas, a barricada tinha, portanto, um efeito mais moral do que material. Era um meio de abalar a firmeza da tropa.” Logo segue no texto de Barboza um histórico das barricadas na França a partir de 1588, passando por 1830 para chegar a 1848.

A lição que Barboza quer ensinar com esta citação de Engels é que a resposta à repressão burguesa é principalmente “moral”, que a luta na rua contra as forças “da ordem” é de importância menor. O que não comenta o autor é que o texto de Engels, além dos cortes introduzidos, é bem controvertido entre os marxistas. Engels queria dizer que a luta nas barricadas foi ultrapassada, um legado do passado. Mas a mesma Rosa Luxemburg, em seu último discurso político, no congresso de fundação do Partido Comunista Alemão em dezembro de 1918, reconhecendo o grande espírito revolucionário de Engels, criticou duramente aquela introdução, que deu a base teórica pela política que ela chamou “só parlamentarismo”.

Após citar a tese de Engels de que devido às mudanças desde 1848 já nada se podia conseguir com a luta de rua, ela comenta:

“Hoje, sendo que nos encontramos em meio de uma revolução, uma revolução caracterizada por lutas de rua e tudo o que isto envolve, é hora de questionar a concepção que guiou a política oficial da social-democracia alemã até nossos dias, a visão que compartilha  a responsabilidade por nossa experiência do 4 de agosto de 1914” [quando a fração parlamentar social-democrata votou os créditos de guerra para o governo imperial, ao início da I Guerra Mundial imperialista].

Luxemburg comentou que a tese de Engels era “uma expressão documental clássica da opinião prevalecente na social-democracia alemã que logo lhe resultou fatal”. Ela anotou que Engels morreu no mesmo ano que escreveu a Introdução, e que a liderança teórica passou às mãos de Karl Kautsky contra o qual lutou a esquerda do partido em cada congresso. Porém:

“A conclusão lógica desta crítica era a doutrina do ‘parlamentarismo só’....
“Desde aquele então, as táticas apresentadas por Engels dominavam a social-democracia em tudo o que fez ou que deixou de fazer, até chegar ao fim apropriado, o 4 de agosto de 1914. A Introdução foi a proclamação da tática de ‘parlamentarismo só’. Engels morreu no mesmo ano, e portanto não tinha possibilidade ver os resultados práticos da implementação de sua teoria.”

Então, ao citar aquela frase de Engels, o PSTU apela à autoridade da tese de “parlamentarismo só”, que já provou seu conteúdo contra-revolucionário na Alemanha, e mostra a semelhança destes reformistas que querem ser parlamentares como seus irmãos gêmeos do PSOL que já são.

Após um par de citações de Lênin e o marechal Tukhachevsky, que só servem para acrescentar uma pitada de insurrecionismo para fazer um pouco mais picante o prato parlamentarista, chegamos ao tema da polícia. O autor admite de que a Polícia Militar e sua Tropa de Choque servem para repressão séria. Só que com isso querem fazer uma distinção qualitativa das outras corporações policiais que não existe. E a conclusão programática que tiram é a reivindicação da “desmilitarização da polícia militar e o fim da tropa de choque e de toda a polícia de repressão aos movimentos sociais. Enfim, dos aparatos do Estado que atacam os movimentos sociais”. Aqui entramos num mundo fantasioso.

Em primeiro lugar, não são somente os PMs os repressores: a polícia civil também reprime, assim como a guarda municipal e, sem dúvida, a Força Nacional de Segurança criada pelo governo frentepopulista do PT de Lula-Dilma. Quem duvida disso pode perguntar os habitantes das favelas da Maré e Nova Holanda, por exemplo. A frente popular sabe que para manter um estado capitalista no Brasil –um dos países com maior desigualdade social no mundo!– ela requer uma força repressiva forte, embelezada como UPPs nas favelas. Além disso, demandar de um governo burguês, ou dentro do marco de um estado burguês, a desmilitarização da polícia e o fim dos corpos de repressão “aos movimentos sociais” em geral, é negar toda a teoria marxista da natureza do estado capitalista, ademais de criar ilusões perigosas entre as massas.

Os marxistas não chamamos à burguesia imperialista que renuncie às guerras, porque não pode; tampouco chamamos a ela ou ao estado capitalista que garantam o pleno emprego, porque isto só pode existir temporalriamente sob o capitalismo. Podemos –devemos– lutar a por fim às chacinas das guerras imperialistas e a terminar com a miséria e o desemprego, mas devemos explicar claramente que isto requer uma revolução socialista para conseguir. De outra forma só estaríamos  iludindo os trabalhadores, que são os únicos que podem realizar estas tarefas. Na I Guerra Mundial, Lênin escreveu sobre “O programa de paz” (março de 1916):

“Finalmente, nosso ‘programa de paz’ deve explicar que as potencias imperialistas e a burguesia imperialista não podem conceder uma paz democrática. É preciso procurá-la e lutar por ela, mas não com o olhar no passado, numa utopia reacionária de um capitalismo não imperialista, e sim olhando para o futuro....
“E quem apregoa aos povos uma paz ‘democrática’ sem defender ao mesmo tempo a revolução socialista ou negando a luta por ela – uma luta agora mesmo, dentro da guerra – engana o proletariado.”

Falando da PM, o PSTU reivindica que “soldados, cabos e sargentos devem ser funcionários públicos do estado a serviço da população”, exige que eles possam “construir sua  organização independente, em sindicatos e associações” e se introduz “a eleição dos comandos da polícia de maneira democrática. Mas o mais importante: o direito de rebelião”. Pretender que isto seja possível no marco de um estado capitalista é a mais pura demagogia reformista. Falar do policial “amigo do povo” no reino da burguesia é um conta de fadas. O teórico do PSTU está vivendo no país das maravilhas, enquanto o resto do Brasil vivemos no país das chacinas. Notavelmente, o artigo não menciona uma só vez capitalismo, socialismo, e muito menos revolução socialista.

Aqui o autor faz referéncia às greves dos bombeiros e polícias militares em todo o país, e particularmente no Rio de Janeiro. Estes motins das forças repressivas mais nefastas receberam o apoio entusiasmado do PSTU, enquanto a Liga Quarta-Internacionalista e o Comitê de Luta Classista repudiaram este movimento bonapartista. Explicamos em detalhe como os bombeiros militares atuam como forças repressivas auxiliares do estado capitalista, o que formalmente são, intimamente entrelaçados com as milícias e grupos paramilitares que assediam a população pobre e negra das favelas e morros (ver “Reformistas a reboque da ‘greve’ dos bombeiros militares cariocas, Vanguarda Operária suplemento, julho de 2011).

Ao final do tratado sobre “o papel da polícia”, o autor Barboza critica “setores do movimento organizado que sustentam posições equivocadas em relação às forças armadas e aos aparatos de repressão”. Ele alega que quem insiste que a polícia, toda polícia, é inimiga dos trabalhadores está dizendo que não pode haver rupturas no exército e na burocracia estatal. Porém existe uma diferença: a polícia é um instrumento construído pela repressão interna. Para sustentar este subterfúgio nos oferece uma porção de boas citações de Lênin sobre o exército. Mas na Revolução Russa, os bolcheviques diferenciavam claramente entre os dois. Citamos já em outras ocasiões o que escreveu Trotsky em sua História da Revolução Russa (1930):

“Os policiais são inimigos ferozes, implacáveis, que odeiam e são odiados. Nem sequer pensar em ganhar eles... É diferente com os soldados: a multidão busca por todos os meios evitar confrontos hostis com eles; pelo contrário, busca maneira de influenciá-los a seu favor, convencer, atrair, fraternizar, fundir-se.”

Em 1917 a posição dos bolcheviques a respeito da polícia era inequívoca: não pediam seu desarme, depuração, desmilitarização ou outra “reforma” enganosa, exigiam sua abolição, pelo proletariado vitorioso. E logo após a Revolução de Outubro fizeram exatamente isso. Nós da Liga Quarta-Internacionalista chamamos à ação operária para expulsar as tropas brasileiras do Haiti, e as PMs (BMs, etc.) fora das favelas do Rio. E traduzimos as palavras em ação: ao ganhar em 1996 a direção do sindicato do funcionalismo público de Volta Redonda, vários camaradas da LQB fizeram história ao desfiliar os guardas municipais do sindicato. Por este ato classista ficaram sujeitos à repressão dos tribunais burgueses, com a colaboração da esquerda oportunista.

Lênin insistiu, seguindo Marx e Engels, que a classe operária ao tomar o poder não pode utilizar o aparelho do estado capitalista. Deve “quebrar, e reduzir à migalhas, aniquilar a máquina burguesa do Estado, mesmo republicano, o exército permanente, a polícia, o funcionalismo, e de substituir tudo isso por uma máquina mais democrática, mas que nem por isso é menos uma máquina de Estado, constituída pelas massas operárias armadas” (O Estado e a revolução [1917]). A dura experiência das massas brasileiras da repressão brutal pela polícia confirma plenamente essas palavras e desmentem contundentemente os sonhos reformistas do PSTU. Só após a revolução a polícia pode servir a população. ■